Urânio

Special: 

No silêncio da noite, pode-se ouvir passos apressados. As luzes do prédio se apagam. Tiros. E o que parecia ser uma noite de descanço, de calma, torna-se uma noite de baixas.


- O que houve?

Dia seguinte. Manhã. O proprietário, que tem o péssimo hábito de dormir com o telefone desligado, chega ao local. Seus soldados estão muito sujos, de sangue. E não há só quatro na portaria, mas dez deles.

- Senhor, houve uma invasão ontem à noite. Vinte homens entraram armados com pistolas e fuzis laser. Foi um desastre, eles cortaram nossa luz e...

- Eles levaram?

- Sim, levaram.

- Quantos dos nossos estão feridos?

- Poucos. Vinte estão vivos e sem lesões graves. Os outros já morreram.

- Vocês sabem o que a incompetência de vocês gerou?

- Sim, sei do perigo que todos corremos agora. Sei o que eles levaram.

- E o que vocês farão para compensar essa falha?

- Eu... ainda não sei.

- Já ouviram falar de "Urânio"?

- Como?

- Espalhem-se pela cidade imediatamente e o procurem. Nós só voltaremos a funcionar quando recuperarmos o que foi roubado. Se não o encontrarem nesta cidade, vão para as cidades visinhas. Nem que seja necessário revirar todo o Coração Russo, ele deve ser encontrado.

Os vinte soldados sobreviventes partem em busca de informações. Principais paradas: bares. Depois de passarem por todos os bares e pontos importantes da cidade, finalmente chega o meio-dia e os soldados se vêem obrigados a voltar sem resultados.

- Chefe, não encontramos nem sinal desse tal Urânio.

- Venham.

Todos vão para uma sala especial do prédio.

- Este é Urânio.

Os soldados olham pasmos o homem vestido em roupas em tons de preto e violeta. Camisa de mangas compridas, assim como as golas e, mesclado ao preto, algumas tênues linhas violetas. Seus calçados são pretos. Para completar o trage, Urânio tinha um chapéu preto. Do tipo que entrou em extinção há meio século. "Sem armas?" Foi o que certamente passou pela cabeça de todos.

O homem sentado em uma cadeira, alvo do espanto de todos, respondeu com uma saudação em forma de sorriso.

Até aqui eu era apenas mais um soldado da indústria. A partir desse momento, tornei-me mais que um soldado. Tornei-me "O Contador de Histórias", passando a ser conhecido como "Senhor T".

Voltando aos fatos, que é o que realmente importa, ele se levantou e...

- Sim, eu sou Urânio. Agora que me conhecem, posso começar meu trabalho. - Ele então abriu caminho entre nós e foi direto para fora do prédio. Eu, com alguns outros, o segui.

Ele saiu pelo caminho que provavelmente foi usado pelos assaltantes. Precisava de um voluntário e vários se ofereceram, mas eu subi na moto sem ao menos esperar que ele escolhesse quem o acompanharia. Ele estava com pressa e partimos no mesmo instante.

As ruas estavam meio paradas e por um momento pensei que estivesse no século passado. Sabe? Aquelas coisas de pistoleiro... Só que a única pistola que havia era a minha. Isso foi no outono de 2014, quando começavam a aparecer as pistolas laser. Passando em frente a uma vitrine eu presto atenção no reflexo da moto nela. A moto era nova, com formas curvas e agressivas. Mas o interessante não era isso: adivinha só qual era a cor dela...

- Corajoso e ousado. Gosto disso. - O tal Urânio começava a puxar conversa. - Continue assim e ainda vencerá muito, amigo.

- Ah, quero dizer, obrigado!

Repentinamente ele pára a moto e eu pergunto:

- Encontramos os bandidos?

- Não. Olhe a moto.

- Mas que droga!

Aonde ele tinha ido? "Não passa ninguém por aqui..." Olhando melhor, percebi, naquele instante, que não conhecia o lugar. Jamais havia estado ali. Depois de muito me indagar sobre o destino que ele havia tomado, eis que ele reaparece vindo de uma rua perto, trazendo duas latas de cerveja.

- Toma.

- Quê?! Não acredito que você desceu só pra comprar uma porcaria de cerveja!

- Pode acreditar.

- Seu irresponsável!

- Fica frio, eles não vão fugir.

- Como não?

- A primeira lição você já sabia: não esperar quando não houver o que se esperar. A segunda, pelo jeito, você não conhece.

- E qual é a segunda?

- A segunda, amigo, é: fique frio que eu sei o que estou fazendo, vamos.

- Ele tinha acabado de beber, enquanto eu sequer tinha aberto a minha lata. Joguei fora, não é? O que mais podia fazer?

O cara - o tal Urânio - era mesmo um sujeito estranho. Como alguém aceita a missão de caçar um grupo de caras que pode estar em qualquer lugar dessa megalópole? E sozinho! Eu estava lá, mas pelo que pude entender, ele só queria companhia. Para efeitos, gerais, para ele era como se estivesse sozinho. Primeiro, como alguém aceita uma missão dessas? Segundo: como alguém que acabou de aceitar uma missão dessas pára pra coprar ceveja? Havia algo muito estranho nessa história toda...

- O chefe pagou adiantado?

- Você sabe o que estamos procurando?

- Precisamente.

- Eu deveria pagar a ele pelo direito de buscar isso, mas como não é um procedimento muito usual...

- E então? Ele pagou adiantado ou não?

- Eu sou um profissional!

- Ah, é? Que tipo de profissional é você?

- Sou do tipo que sabe o que está fazendo, o melhor no que faço.

- Eu sei muito bem que tipo de profissional você é.

- E que tipo eu sou?

- Do que passa a perna no contratante.

- Você não sabe de nada das ruas: é só um guarda de meia tijela!

- Ah, é? Ora, seu...

- Desça da moto. - ele pára.

- O que disse?

- Eu disse pra sair da moto.

Naquele instante eu gelei. Ele pedia pra eu descer! "É isso enão. Ele quer que eu desça porque sou a única coisa que o impede de fugir com o dinheiro. Com que cara vou falar pro chefe: 'Olha, a gente discutiu por causa de umas cervejas, mas eu contiuo achando que ele não devia ter comprado.' É... Aconteça o que acontecer não posso deixá-lo sozinho."

- De jeito nenhum! Eu não saio daqui até a gente recuperar o produto.

- Pois bem... Vou deixar você me acompanhar, mas a discussão acabou. Abra o bico de novo e vai se arrepender, entendido?

- Claro, pode deixar.

Partimos de novo. Tudo bem, é chato mas às vezes é melhor sair em desvantagem, se for preciso para garantir um acordo diplomático e essa é uma das regras que mais venero nos dias de hoje. A única coisa que eu podia fazer naquele momento era só ficar ligado se não quisesse estragar tudo. Quando você desconfia de alguém, você não convive com ele só vai junto.

Partimos por várias ruas e a viagem demorou longos minutos. Por várias vezes tive a impressão de que passávamos por um lugar mais de uma vez, mas resolvi ficar calado e ainda mais atento ao que acontecia. Logo chegamos a um prédio que parecia coisa de elite. Urânio simplesmente parou a moto na calçada e desceu sem nem olhar pra mim. Saí atrás dele, afinal, o importante naquele momento era não perdê-lo de vista.

Seguimos em direção à entrada principal do prédio e o cara parou e virou pra mim.

- Você não pode vir.

- Como é que é? Qualé! Acha que eu vou ficar aqui esperando? De jeito nenhum.

- Você não pode vir. Não está exatamente apresentável.

- Mas que droga! - Sim, ele tinha razão. Naquele confronto na hora do ataque eu mes sujei pra caramba. Mas eu não podia deixá-lo entrar sozinho de maneira alguma. - Não importa. Eu vou assim mesmo.

- Não respondo por você.

- Tudo bem!

Entramos. Havia uma sala muito espaçosa e algumas pessoas indo e vindo. Todas muito bem-arrumadas em seus ternos e vestidos. Olhavam-me com estranheza, o que não me surpreendia. Quando nos aproximamos do elevador, um segurança-parede bloqueou nossa passagem. ficou nos olhando com aquela cara feia até que o Urânio encheu a mão dele e ele saiu da frente.

O nosso grupo lá não tinha segurança desse tipo porque quem montou a equipe procurou gente de cabeça, não só de força bruta. Há gosto pra tudo!

"Terceiro andar. As portas se abrem e já dá pra ver o... Restaurante! Parece que é aqui mesmo, já que o Urânio desceu." Fui lá. Pessoas se levantavam em todos os cantos e eu já via a hora de alguém puxar a arma ou aparecerem uns punhados de paredes atirando. A coisa parecia feia. Urânio foi até o balcão e se sentou, chamando o garçon. Foi quando pensei: "agora! Vamos ter um interrogatório à moda antiga!". Engano meu. Ele havia parado para pedir um chop!

- Escuta aqui, seu alcóolatra! A gente tem uma missão pra cumprir: vai parar de novo pra beber?!

- Estou fazendo o meu trabalho.

- Que merda de trabalho é esse!?

- Você é muito jovem e tem muito o que aprender... Eu não chegaria onde os outros não chegam se agisse da mesma forma que eles.

- Está bem, não é hora de filosofar! Quer ir embora resolver o caso?!

- Claro! Mas só depois de um gole, certo?

Ah, mas minha paciência com ele já estava no final.

- Traz um pra mim também.

...mas o que é que eu podia fazer? Eu tava começando a achar que tudo o que ele queria era me tirar do sério, sendo assim achei melhor entrar no jogo dele.

Como já passava das treze horas, até que não foi má idéia almoçar ali mesmo. Isso até a hora de receber a conta...

Pouco depois ele pagou a conta, digo, a dele, e foi embora. Saíamos do prédio sob um início de frio. Tudo levava a crer que íamos ter chuva e frio no final da tarde.

A moto percorreu várias ruas da mesma forma que antes - aparentemente ao léu. Então Urânio parou e foi até uma loja de armas. Entrou, ficou olhando algumas e saiu sem nenhuma. De lá, fomos para o aeroporto mais próximo pelo caminho mais longo...

- O que é que está havendo?

- O quê?

- Até agora não vi você fazer seu serviço.

- Mas estou fazendo. Vamos descer.

Entramos no aeroporto no instante em que começou a chover. Urânio parecia, apesar de tudo, determinado. Fomos até a área de espera e ele ficou na janela vendo os aviões sob a chuva. Que mistério ele escondia nas mangas eu não podia imaginar, mas ele tinha algo sim. E no momento eu só via uma razão para tanta reviravolta.

- O que você quer, afinal? Que tal abrir o jogo?

Ele não respondia.

- Está querendo se livrar de mim pra ir atrás do produto, é isso?

- Não.

Ele parecia triste, ou pensativo. Na verdade é difícil saber o que passa na cabeça dessas pessoas mais esquisitas.

- Vamos descer.

- O quê?!

- Venha.

Ele passou por mim e se dirigiu à porta. Eu o segurei pelo ombro e ele se afastou da passagem.

- Ainda não resolvemos.

- Resolvemos sim.

Urânio num giro rápido acertava um gancho em um homem que nem havia entrado totalmente em nossa sala. O atingido cai no chão e o cachecol se solta. A mala pára no ar segura pela mão de Urânio. O seu antigo portador ainda tenta se levantar, mas leva um chute de Urânio. Finalmente reconheci o indivíduo como um dos bandidos!

- Pegue. Jogue pela janela.

- Como é que é!?

- Vá! Agora!

- Mas é o produto!

- Não, é uma bomba.

Corri e arremessei pela janela, mas nada parece ter acontecido. Pessoas corriam desesperadas.

- Tem certeza de que era uma bomba?

- Vamos.

- Aonde?

- Cumprir a missão.

Sob a forte chuva corremos para o tal restaurante. Por quê? Vai entender... Chegamos lá e descemos, subimos - dessa vez pelas escadas - e chegamos lá. O cara do balcão. Urânio se aproxima dele rápido e põe a mão no bolso pra sacar um... Envelope!

Sim, ele fala baixo com o homem do balcão e lhe entrega o envelope. Logo recebe uma mala idêntica àquela que havia no aeroporto.

- Cumprimos.

Partimos pra base antes do anoitecer com o produto de volta. Todos ficaram maravilhados com o trabalho bem-feito. E eu já não entendia nada. Como tudo aconteceu?! Seria Urânio alguém da gangue que roubou o projeto ou o quê?

- Você ainda é jovem, rapaz, tem muito o que aprender. Nem tudo se explica tão fácil e nem tudo é o que parece.

É, o projeto estava lá e Urânio era mesmo um cara que pega as coisas no ar, mas acontece que... A maleta do aeroporto nunca explodiu. Será que o projeto estava mesmo a salvo? Não sei, acho que nunca vou saber que merda tinha naquela mala. Seria uma bomba mesmo ou uma cópia do projeto? Só sei que pedi minha demissão e fui procurar a tal mala. Lá só encontrei Urânio (e seria mais correto dizer que ele me encontrou).

- O que faz aqui? - Ele perguntou.

- O mundo é pequeno, não?

- A missão acabou e a minha vida não é da sua conta. Por que não volta pra sua vida?

- Minha vida agora é outra. Pedi demissão.

- Por causa da mala?

- Pode-se dizer que sim. Onde está?

- Em um local seguro.

- E o que tinha nela?

- Algo não muito seguro.

- Dá pra ser mais claro?

- Não. Vou nessa. Boa sorte na nova vida.

- Obrigado, mas essa história da mala não me convenceu. Ainda vou descobrir o que houve.

- Quando descobrir me conta.

- Tá certo. A gente se vê por aí. O mundo é pequeno.

- Não, meu camarada. O mundo não é pequeno. Nós é que somos grandes.

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