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A Bola de Fogo Azul

Este texto foi publicado na edição 005 da Revista Espírito Livre. É uma forma humorada de mostrar a importância de nos preocuparmos com copyright e patentes, de como isso tudo pode prejudicar o desenvolvimento da Ciência.

A Bola de Fogo Azul

- Ó Manèrlim! O que vossa profunda sabedoria está a articular nesta vasta imensidão totalmente desamparado, mô fio?

- LAN Sem-Lote, meu caro, estou aqui a praticar a Bola de Fogo Azul.

- Ah, decerto, meu caro! Não é aquela magia poderosíssima que costumas utilizar desde sempre? Que já foi de suma importância para nossa sobrevivência em tantas batalhas? Contra aquela horda de mortos-vivos ano passado, por exemplo...

- Esta mesmo, LAN! Esta mesmo...

- E por que a praticas? Não és já extremamente perito nela?

- Estou estudando para executá-la apenas com gestos.

- Muito sábio! Por vezes pode ocorrer mesmo de não poderes pronunciar qualquer palavra.

- É, é bem verdade... Mas não é pensando nisso que estou empreendendo tais estudos.

- Então em que, diacho?

- Lembra que esta magia utiliza palavras em Latim?

- Lembro-me sim! Aquilo que ninguém entende nada! Aquele monte de coisas de mago que você fala...

- Pois bem, descobri recentemente que tudo aquilo em Latim está protegido por leis de Direito Autoral.

- Cacilda! E agora?

- Por isso estou reaprendendo a magia independente de palavras.

- Bom garoto! Olha, vim aqui te procurar, sábio Manèrlim, para informar que estiveram à tua procura lá na hospedaria.

- Que bom! E quem seria?

- Um povo de um tal de Escritório Magia e Trovão. Não entendi direito, mas eles falaram qualquer coisa sobre Patente da Bola de Fogo...

-- Cárlisson Galdino

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Quem quer patente de software

Há muito rebuliço sobre Patentes de Software. Os Estados Unidos já aceitam esse tipo de patente em sua legislação. Na União Européia há uma briga travada: de um lado os que defendem esse tipo de patente; do outro, os que vão contra. Mas patente de software é uma boa idéia? Não é. E nesse artigo você verá porque.

Conceito de Patente

Antes que possamos começar... Você sabe o que é uma patente? Sabe distinguir patente de direitos autorais?

De acordo com a Wikipedia, uma patente é um documento legal que representa um conjunto de direitos exclusivos concedidos por um governo a um inventor ou a um pretendente por tempo limitado.

O INPI, órgão responsável pelo registro de patentes no Brasil, define a patente como "um título de propriedade temporária sobre uma invenção ou modelo de utilidade, outorgados pelo Estado aos inventores ou autores ou outras pessoas físicas ou jurídicas detentoras de direitos sobre a criação. Em contrapartida, o inventor se obriga a revelar detalhadamente todo o conteúdo técnico da matéria protegida pela patente."

Ou seja, uma concessão de monopólio pelo estado para uma empresa.

Essa concessão normalmente é feita por um período de tempo limitado para proteger tanto o inventor (que pode obter retorno sobre seu investimento inicial), quanto a sociedade (que após algum tempo, terá garantido o poder de fazer uso do invento - entenda como domínio público). Dessa forma, a idéia de patente foi criada para garantir um retorno econômico aos inventores: quem quiser usar o invento, paga uma taxa ao inventor e o utiliza. Esperava-se, com isso. incentivar a criação.

Softwares e Patentes

O software é tradicionalmente regido pela lei de direitos autorais (copyright).

Assim, o software é protegido como linhas de código, de forma análoga à proteção que é dada a uma poesia, por exemplo. Assim, normalmente as patentes não são aplicáveis ao software, que é tratado como obra intelectual. O problema maior é que difunde-se a idéia de que as patentes cobrem o software, o que não é preciso. Pois patentes cobrem idéias. E esse é o problema na questão da patente de software.

O fundador do projeto GNU, Richard Stallman, em seu artigo The Danger of Software Patents, incluso em sua obra Free Software, Free Society (PDF), apresenta um dos perigos sobre as patentes, principalmente na ótica do software:

A patent is an absolute monopoly on using an idea. Even if you could prove you had the idea on your own, that would be entirely irrelevant if the idea is patented by somebody else. (STALLMAN, 2002)

Traduzindo: não importa se você chega à mesma idéia que o seu autor original por meios completamente diferentes. Uma vez que ela tenha sido patenteada, o dono da patente tem direitos sobre ela, independentemente de tudo o mais.

Este é o drama. Imagine-se trancado em uma garagem sem Internet e sem mais nada pra fazer, com um computador, um editor de textos e conhecimentos de programação. Você começa a escrever um programinha qualquer pra passar o tempo. Você pode ter idéias que alguém já havia tido, sem que você soubesse, e ser processado por isso.

Em um mundo com patentes, antes de fazer qualquer projeto, você precisaria averiguar se existem patentes cobrindo as funcionalidades que você pretende incluir em seu projeto, e o problema é: você não tem como levantar isso.

Os Transtornos

Para entendermos melhor: uma vez que você queira pedir uma patente, você a solicita em um orgão nacional competente (no caso do Brasil, o INPI - Instituto Nacional de Propriedade Industrial), que averigua se a mesma já não existia anteriormente (conceito do prior art, ou seja, de obra pregressa). Tal averiguação, lhe custará centenas de reais, corre em segredo e em alguns casos pode levar até mesmo 18 meses. Ou seja: existe muito tempo para criar-se um projeto que futuramente colida com uma patente.

Um problema sério também está relacionado ao advogadês: como todo documento legal, patentes são redigidas de uma forma específica para o jurismo. O problema disso é que para a maioria das pessoas normais essa é praticamente uma outra língua, ou seja, é praticamente impossível para a pessoa com conhecimentos normais de direito (incluindo aí boa parte dos programadores) entender o que é dito nos documentos de patente.

Citando o exemplo dado no artigo acima: uma antiga patente (aparentemente expirada) alvejava o chamado recálculo em ordem natural de planilhas eletrônicas. Esse algoritmo visava a manter uma seqüencia natural de que célula precisava dos dados de qual outra (um mapeamento), permitindo o recálculo de todas as células que dependessem dos dados de uma determinada célula. Sem isso, as modificações nos valores das células seguiam uma seqüência de leitura de cima para baixo e da esquerda para a direita, obrigando vários recálculos da planilha até que ela refletisse a realidade, já que células do início podem depender do resultado de células do final da planilha.

O problema é que se você procurasse dentro da patente por "planilhas eletrônicas", você não iria achar nenhuma referência. Se você procurasse por "ordem natural", você também não acharia nada. No documento de patente, ela é descrita como um método para "compilação de fórmulas em código objeto".

Atente para o detalhe: compílação de fórmulas em código objeto.

Em geral, as patentes são juridicamente construídas de uma maneira estranha, que, propositalmente ou não, acabam por torná-las assustadoramente amplas. No caso citado, pode parecer loucura, mas teoricamente, qualquer meio de se compilar fórmulas em código objeto, mas qualquer meio mesmo, está sujeita a esta patente, mesmo que a compilação nada tenha a ver com recálculo em ordem natural de planilhas eletrônicas (objetivo original da patente).

Agora considere que:

  • patentes protegem idéias, muito abstratas em geral;
  • softwares geralmente usam dezenas de idéias (cada software: como se monta a interface gráfica, banco de dados, cálculos de impostos, organização dos dados na memória...);
  • nos EUA, onde patentes de software são permitidas, empresas como IBM e Microsoft submetem para criação dezenas desse tipo de patentes por mês;
  • patentes são avaliadas secretamente, e muitos mantém suas patentes em segredo da concorrência.

A que conclusão chegamos?

Quem é Favorecido por Patentes de Software

O argumento mais comum dos defensores de patentes de software é que elas incentivam a inovação, mas as coisas hoje não funcionam bem assim...

Em um mundo de patentes de software, empresas grandes investem muito na criação de novas patentes. Em geral, para proteger seus próprios produtos, já que o mundo de patentes de software, como se pode notar, é um mundo selvagem e de altos riscos. Quem tem muito dinheiro e cria softwares não quer correr esses riscos.

Mas algo inevitável acontece: as patentes de software acabam virando formas de inibição de concorrência. Quando uma dessas grandes empresas detem certas patentes, e quando algumas delas são infringidas por uma empresa rival, elas podem não querer acordo para autorizar o uso dessas patentes. Ao invés disso, podem exigir que a concorrente mude o produto ou encerre seu desenvolvimento. Resta à concorrente entregar o jogo e fechar ou investir em uma nova forma de fazer as mesmas coisas, que pode já ter sido inventada por uma outra empresa e o problema pode se repetir.

Assim, uma pequena empresa que crie um sistema de vendas com seu próprio esforço e sua própria equipe de desenvolvimento estará totalmente indefesa diante de algumas poucas grandes empresas que detém milhares de patentes cada.

Quando descobrir que infringiu algumas patentes, só restará tentar reimplementar tudo de outra forma, para fugir das patentes ou se submeter como serva gentil dos detentores das patentes em questão. Afinal, eles têm o poder de dizer o que a pequena empresa precisa fazer pra eles permitirem o uso das tais patentes.

Como exemplo recente do retrabalho apenas para se desviar de patentes, pode-se citar o fato de os desenvolvedores do banco de dados PostgreSQL. Eles reprogramaram seus sistemas de caching de dados (um recurso bastante utilizado para melhorar a performance dos programas), que antes usava um algoritmo patenteado pela IBM. O problema é que a IBM poderia querer impedir o uso do código do sistema de maneira livre.

Software Patents Social Club

Pode parecer estranho, mas muitas empresas grandes, principalmente empresas líderes em seus setores como IBM, Microsoft ou Nokia, investem em pesquisas de patentes para as coisas mais absurdas dentro de seus setores. Por quê? Vejamos como Stallman nos responde:

(...)the patent system is a lot like a lottery, because only a tiny fraction of patents actually bring any benefit to those who hold the patents. In fact, The Economist once compared it to a "time-consuming lottery." If you have seen ads for lotteries, they always invite you to think about winning. They don't invite you to think about losing, even though losing is far more likely. It is the same with ads for the patent system: they always invite you to think about being the one who wins. (Stallman,2002)

Ou seja, a maior parte das patentes produzidas não possuem, ao menos de imediato, valor comercial. Ou seja, é apenas "dinheiro jogado fora".

Agora, com um pouco de sorte você pode conseguir uma patente que ofereça potencial para ser explorada. Uma patente que *realmente* tenha valor comercial.

Mas ainda assim pode haver o risco de sua patente trespassar ou exigir idéias de *outras* patentes. Nesse caso o risco continua, e pode piorar ainda mais, pois a empresa dona, principalmente se for uma grande empresa, pode exigir o cross-licencing, ou seja, ter acesso às idéias patenteadas por você sem custo nenhum para não levar você às cortes. Stallman cita que em uma edição do catálogo da IBM Think! um artigo dizia que (para a IBM, é claro), as vantagens das patentes eram:

  1. receber royalties (o que é normal no caso de patentes);
  2. ter acesso às patentes dos outros.

Repare no segundo item! Com isso, a IBM e as outras grandes empresas conseguem reduzir o impacto negativo da loteria. De certa forma, é como se elas jogassem usando dados viciados.

Ainda não entendeu? Veja abaixo a idéia:

But it is conceivable that somebody could have an idea and this idea along with 100 or 200 other ideas can be the basis of making some kind of product, and that big companies might want to compete with him. So let's see what happens if he tries to use a patent to stop them. He says "Oh no, IBM, You cannot compete with me. I've got this patent." IBM says, "Let's see. Let's look at your product. Hmmm. I've got this patent, and this one, and this one and this one and this one and this one, which parts of your product infringe. If you think you can fight against all of them in court, I will just go back and find some more. So, why don't you cross-license with me"? And then the brilliant small inventor says "Well, OK, I'll cross-license." So he can go back and make these wonderful whatever-it-is, but so can IBM. IBM gets "access" to his patent, and gets the right to compete with him, which means this patent didn't "protect" him at all. The patent system doesn't really do that.

Resumindo: suas idéias podem trespassar ou depender de idéias já patenteadas por uma empresa do porte da Nokia ou IBM. Aí você só terá duas opções: ir à justiça (e se arrebentar todo); ou aceitar um cross-licencing, sendo que aí ela poderá competir contra você (lembrando que ela sempre dispõe de mais recursos que você).

Isso derruba o mito de que as patentes protegem os inventores. Na prática, atualmente, as patentes protegem as grandes empresas que podem:

  • comprar patentes;
  • patentear tudo que puder, por mais absurdo que seja, dentro de sua área;
  • praticar com facilidade o cross-licencing.

Considerações

Tanto na Europa como na própria legislação americana, programas de computador e fórmulas matemáticas faziam parte daquele conjunto protegido, que não poderia ser patenteado. Infelizmente, nos EUA alguém conseguiu ter atendido um pedido de patente de software, e assim se criou um precedente.

Agora que eles têm patentes de software nos EUA, querem que o resto do mundo adote também leis que permitam a concessão desse tipo de patentes. Não porque acham isso legal ou bonito, claro. O sonho deles é que as patentes deles valham em todo o mundo automaticamente, sem nenhum custo adicional.

Por longos meses foi travada uma luta na União Européia envolvendo patentes de software, inclusive com medidas do Conselho que iam contra decisões do parlamento, o que levou a UE a ser apelidada de "Banana Republic". Por vezes a votação foi cancelada estrategicamente por membros contrários à diretiva.

Felizmente, este mês de julho de 2005 tivemos uma grande vitória. Em votação, o Parlamento Europeu rejeitou a diretiva de patentes de software, por 648 a 14 e, enfim, não existem patentes de software na Europa.

Mas isso não quer dizer que não tentarão de novo e que não existirá patentes do software na Europa daqui a, digamos, cinco anos. Eles não vão desistir e devemos estar atentos caso queiram nos sugerir esse tipo de controle intelectual também. Patentes foram criadas como uma ferramenta de ajuda e incentivo à invenção. Mas sabe como é o mundo de capitalismo hostil... Vão-se os propósitos, ficam as ferramentas.

Referência


©2005 BrainCommons (http://wiki.cyaneus.net/braincommons/)
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