O ônibus para em uma praça da cidade grande. Foram duas horas e meia de uma viagem demorada e os passageiros não veem a hora de pôr fim ao sofrimento. Levantam-se para descer.
- Bora pagando?
- Pagando!? - o homem de chapéu se espanta da cobrança de Mandros. - O padre nos trazia sem cobrar nada.
- É, era um ato beneficente pra comunidade!
- Beneficente... Beneficente... Anda! Já disse pra vocês que não sou o padre!
O grupo se olha apreensivo até que o homem casado resolve falar.
- O padre não cobrava nada de nós. Você já extrapolou durante toda a viagem. Acho que você devia conversar com o padre sobre.
Mandros o interrompe batendo com força a mão na porta do ônibus assustando todos os cinco, e até mesmo um grupo de adolescentes fardados de escola que passava na calçada, que olha com estranheza para o veículo enquanto segue seu próprio caminho. Os cinco passageiros prendem a respiração de susto. Comprovando que agora está de novo no controle, o motorista fala pausadamente.
- Vocês escutem bem. Eu fiz um trabalho pra vocês. Eu trouxe vocês até essa porra de cidade. Agora acho bom vocês demonstrarem alguma consideração ou a coisa vai ficar feia pro seu lado!
Encara cada um dos passageiros, pálidos e sem qualquer ação.
- Pra resumir: eu tou na seca e preciso dar uma. E beber um pouco também. Vocês escolhem: ou vocês pagam o meu puteiro ou eu posso fazer isso com a loirinha aqui na frente de vocês.
A adolescente abaixa a cabeça e chora desesperada. Sua mãe olha para ela e para ele, dividida entre a raiva que não pode demonstrar para não deixá-lo mais nervoso e o pânico que não pode demonstrar para não deixar a filha ainda mais desesperada.
Eles achavam que estariam seguros na cidade. Talvez o motorista violento temesse ter testemunhas para os seus atos ou temesse que policiais o prendessem. Os passageiros nem olham mais pelas janelas. Estavam errados.
A mãe trêmula procura dinheiro na bolsa.
- Tome. - O homem de chapéu entrega, antes da mãe da vítima.
- Hmmm... - Mandros pega o dinheiro e conta. - Cento e quarenta reais... É, mas é pouco.
- Mas um ônibus de linha...
- Esse ônibus não é de linha e quem manda nessa bodega sou eu!
Trêmula, a mãe estende a mão e lhe entrega o que tinha.
- Olha só, está melhorando... Duzentos e cinquenta! Vamos, e vocês dois aí?
A mulher casada ergue seus olhos vermelhos de chorar durante toda a viagem.
- Deixa ela, ela está muito abalada.
- Abalada é? Eu sei o que é bom pra mulher fresca! Acho que vou levar ela comigo pro puteiro. Lá eu dou uns tratos nela.
- Não... - Ela balança a cabeça, chorando, já sem força.
- Não, por favor. Tome. - O marido lhe entrega algumas notas.
- Cem reais... Cem reais... tá, tudo bem. Dessa vez eu vou deixar assim. - Ele vai até o assento de motorista e aciona a abertura da porta. - Mas só porque seus amiguinhos ajudaram, senão ela vinha comigo!
Os passageiros saem sem nem olhar para trás. Apertam o passo em direção ao local que lhes parece mais seguro nas proximidades. Consolando-se, uns aos outros vão para a igreja.
-- Cárlisson Galdino
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