Mauro Mattit Investigações

Sexta-feira, duas horas da tarde. Olhando pela janela vejo a rua João Simões. Poucos carros passando, apesar de o horário sugerir o contrário. Fecho a persiana e volto ao meu birô de cedro.

Hoje faz nove dias que não tenho clientes. Desde o último caso, da morte de Stan Pendrila, ninguém busca meu escritório.

Claro, ainda não é preocupante. Não suficientemente preocupamente. Já passei hiatos maiores sem qualquer sinal de atividade. O pior caso foi há cerca de um ano. Foram vinte semanas, cerca de quatro meses e meio. De longe o pior período na minha carreira.

Stan Pendrila... Suspeita de envenenamento, de homicídio. Muitos suspeitos. Colegas de trabalho, vizinhos, ex-esposas. Até um filho estava na lista dos suspeitos. O final foi decepcionante para a maioria dos que acompanharam o caso: a morte repentina de Stan não foi tão repentina assim. Concluímos que se tratou do subto agravamento de uma meningite contraída dos caramujos de seu jardim.

A enciclopédia de biologia ainda está ali e pode vir a ser útil novamente no futuro. Foi fundamental para a conclusão do mistério, mas não teria sido suficiente. Sorte minha que o meu amigo William estava na cidade para me ajudar com seus conhecimentos de medicina.

Nove dias são muito pouco tempo, mas já começam a me angustiar. Levanto-me para ir até a porta, apenas para verificar se a deixei trancada. É um velho hábito deixar as coisas como as encontro. Se abro uma porta, eu a fecho. Se pego um caderno e uma caneta, mesmo que sejam os meus próprios pertences, é natural para mim deixá-los no mesmo lugar e na mesma posição e arranjo que os encontrei. Às vezes isso me atrapalha e termino deixando a porta do escritório fechada ao entrar ou, o que é ainda pior, deixando o escritório aberto.

Alguém se aproxima. Pela silhueta, é um homem ligeiramente corpulento, deve ser careca. Militar, talvez? Está abrindo a porta. Bem, isso responde à minha dúvida.

- Boa tarde.

Ele sorri e aparenta cerca de vinte e cinco anos. A camisa azul ciano, a bermuda esportiva, de sandálias de couro já usadas, mas que ainda não aparentam estar gastas demais. Respondo.

- Bom dia.

O que intriga ainda mais do que as roupas é seu sorriso. Por que alguém entraria em um escritório de investigação sorrindo? Claro, pessoas são estranhas. Talvez seja um momento deslocado do contexto, como quando recordamos uma piada enquanto caminhamos pela rua. Eu aperto sua mão em cumprimento e o convido a se sentar ao birô.

Seu sorriso começa a se desfazer, o que de certo modo me tranquiliza. Sua mão direita tem uma marca no dedo anelar. Certamente usava uma aliança até pouco tempo atrás. Diria que menos de um dia. Talvez tenha terminado um relacionamento muito recentemente. Pelo seu sorriso, um relacionamento nada agradável. Ou, talvez mais provável, um que ele não esperava perder. Às vezes sorrimos de desespero.

É comum que se tenha poucos relacionamentos sérios até os vinte e cinco anos. Um rompimento de um noivado com alguém com quem convivemos há três ou quatro anos costuma ter um impacto significativo em nossas vidas, mesmo que apenas momentâneo.

Também é comum que militares se afastem de suas famílias por certos períodos, onde pode estar a causa de um possível rompimento.

Tomo a iniciativa.

- Vejamos... A razão de estar aqui tem a ver com sua ex?

Ele fecha seu rosto e me encara pensativo.

- Liliane? Você a conhece?

Ergo as sobrancelhas em resposta. Liliane, é o nome da moça. Adoro essa expressão de surpresa no rosto dos clientes quando começo a demonstrar meus talentos antes mesmo de se apresentarem.

- Olha, o Lubez está aqui?

Aqui? Eu passo a vista por todo o escritório, guiando o olhar do jovem careca para que perceba: não há como alguém mais estar aqui sem que saibamos. A sala é apenas um vão no conjunto empresarial. Mas quem é...

- Lubez?

- É, o Lúcio Bezerra!

O odontólogo.

- Não, ele não costuma vir aqui.

- Ah não? Hmmm... Mas aqui não é o consultório dele?

- Não, ele atende no Conjunto Hermes, lá em frente.

- Nossa, haha! Acho que confundi então. Ele é meu irmão e está saindo de férias. Pediu pra eu passar aqui pra buscá-lo. Estamos indo a Curitiba. O senhor é psicólogo, né?

Ops...

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