Nossa história hoje começa
Muito além, além do mar
Numa Terra tão antiga
Terra de leão, jaguar
Elefantes e savanas
É nas terras africanas
Que tudo vai começar
Mas o que falo a seguir
Não é em nada ilusão
Este cordel é de História
Não fala de ficção
Leia tudo até o final
Este problema é real
E é causa de aflição
Mas chega dessa conversa
Vamos logo começar
A história dessa vez
Pois não gosto de enrolar
Eis o Cordel Quilombola
Tenha boa lida agora
Quem a ele se dedicar
Ó bravo povo africano
Forte e livre em seu lugar
Sim, nem sempre havia paz
Mas sabia guerrear
Com sua própria ciência
Seus costumes, sua crença
E seu modo de falar
Faziam sua própria história
Até vir um povo ufano
Trazido por águas turvas
Desse inconstante oceano
Com sua própria ciência
Seus costumes, sua crença
Diferentes do africano
Era esse o povo branco
De bravos navegadores
Orgulhosos das proesas
De suas crenças, valores
Que cegos pela vaidade
Perderam a humanidade
E empreenderam horrores
Para expandir seu império
Têm que ter trabalhadores
Os mais baratos possíveis
Mas fortes como tratores
E na ganância da ideia
Planejaram uma odisséia
De um caos viraram atores
Estimulando o combate
Entre tribos que eram amigas
Compravam presos de guerra
Das tribos que eram vencidas
Partiam barcos ligeiros
Levando um povo guerreiro
Para lhes dar nova vida
Eram navios reforçados
Orgulho de um povo inteiro
Guiado por homens maus
Desses porcos traiçoeiros
Que levavam os sequestrados
Nesses barcos lá chamados
Por eles navios negreiros
Nas colônias, povo negro
Com seu passado glorioso
Virou escravo dos brancos
Explorados até o osso
Sem ter ninguém que os salve
Ó que vida, Castro Alves!
Ó que destino odioso!
Trabalhando nos engenhos
Como fossem animais
Qualquer erro ou cansaço
Vinha logo o capataz
Se do chicote servido
Era o mais leve castigo
Pois havia muitos mais
Se o senhor daquele engenho
Gostasse de uma escrava
Levava a seus aposentos
E a agredia e estuprava
Sua família na senzala
Vendo o capataz levá-la
Não podiam fazer nada
Foi então que começaram
A testar a própria sorte
E fugir dessas fazendas
Num grande risco de morte
Por pura necessidade
Mas a tal da liberdade
Era o desejo mais forte
Fugindo só não deu certo
Podiam levar um tiro
E se escapassem com vida
Onde iriam? Que retiro?
Pois eram recuperados
E os castigos mais pesados
Eram prêmio garantido
Começaram a se juntar
Todo negro fujitivo
Numa vila independente
Para se manterem vivos
Quilombos eram chamados
Esses lugares criados
A esperança dos cativos
Quilombos foram surgindo
Combatidos com crueldade
Os senhores de escravos
Não mostravam piedade
Contra eles, que brigavam
Pois tudo o que desejavam
Era ter a liberdade
Foi mesmo um grande caminho
Pra acabar a escravidão
Por medo da Inglaterra
Proibiram importação
Punindo o navio negreiro
Capitão e o povo inteiro
Envolvido na infração
Pouco a pouco foi chegando
A liberdade sonhada
Mas para isso foi preciso
Muita luta e muita estrada
Muito sangue correu o chão
Muitos mortos sem caixão
A disputa foi pesada
Os intelectuais
Brigavam lá no senado
Eram os abolicionistas
Que lutavam de bom grado
Contra os colegas de lá
Faziam o que precisar
Pra libertar os escravos
Assim leis foram surgindo
Em auxílio àquela gente
Foi a Lei do Ventre Livre
E outras vinham mais à frente
Mesmo sendo complicado
Cobrar que fosse aplicado
O que a Lei diz tão solene
A Lei Áurea foi, por fim
A que abriu portas no céu
Lhes dando a liberdade
Tudo justo no papel
Decreta com precisão
O final da escravidão
Pela Princesa Isabel
Assim o tempo passou
Tudo passa nessa vida
E o negro hoje é igual
A vitória é conseguida
E sendo assim, desse jeito
A todos, iguais direitos
A todos, igual medida
Claro que o pior passou
Mas e tudo o que foi feito?
E a cultura violada?
E os anos de preconceito
Desde um tempo mais distante
E ainda hoje está tão grande?
Como está está direito?
Muitos negros hoje vivem
Na luta, aqui, na marra
Na nossa sociedade
Com orgulho e muita garra
Honestidade e respeito
Mesmo assim, há preconceito
Essa vida é uma barra
Outros ainda têm raízes
No passado, suas nações
E se orgulham de manterem
Seus valores, religiões
Seus costumes, seus assuntos
E se agrupam, vivem juntos
Pra preservar tradições
São estas comunidades
Quilombolas conhecidas
Por alguns, por outros não
É onde eles levam a vida
De artesanato e plantio
Há várias pelo Brasil
Mas sua luta é sofrida
É desde oitenta e oito
Pra reparar todo o erro
Cometido contra todos
No passado que o Governo
Reconheceu de verdade
Diversas comunidades
Quilombolas nesse termo
É nesses "novos quilombos"
"Aceitos" pelo Estado
Que vivem os quilombolas
Mantendo vivo o passado
A cultura e o restante
Tudo aquilo que é importante
Não dá pra deixar de lado
Mesmo a constituição
Reconhecendo o direito
Dessas tais comunidades
Nem tudo saiu perfeito
É enorme o tormento
Pra ter reconhecimento
De uma terra desse jeito
Ainda são poucos terrenos
Que estão legalizados
Esse "aceite" do Governo
Não é fácil nem folgado
De todas as formas, tentam
Mas tanto problema enfrentam
É um fim de mundo danado
O Governo tem a verba
Própria pra auxiliar
Gente de comunidades
Quilombolas, sempre há
Mas tem que pedir primeiro
Formalmente e o dinheiro
Parece nunca chegar
Pra completar esse quadro
De tanta dificuldade
Ainda há certos doutores
Que vêm da Universidade
Com projetos tão enormes
Recolhem verba e se somem
Nada chega na verdade
Alguns ainda se aproveitam
Da cultura popular
Das pessoas quilombolas
Colhem plantas do lugar
Falam com o povo local
Sobre o uso medicinal
Pra depois patentear
O que tem desses projetos
Bonitos, são quase um céu
De plantio, de benefícios
Tudo lindo no papel
Vem a verba e, então, agora
Todo mundo vai embora
Nem centavo no chapéu...
Pena que todos esquecem
Que essas comunidades
Cada uma é diferente
Tem próprias necessidades
Não se pode assim tratar
Sempre a generalizar
Não ajuda: eis a verdade
Parece que não notaram
Que toda aquela gente
São pessoas, mesmo tendo
Uma cultura diferente
E precisam de respeito
Isso é de todos direito
Mais respeito urgentemente!
O povo negro sofrendo
Pra ajudar, Governo vem
Parece que só pensaram
Num "nome bom", nada além
"Pra ficar bonito agora
Chão de preto é quilombola"
Isso enche a pança de quem?
E esses projetos fajutos
Que vêm sempre procurar
As pessoas quilombolas
Pra no fim só explorar
Criem vergonha na cara
E o Governo, olhe para
Punir quem quer enrolar!
Já passou mais de um século
Que a escravidão findou
Com ela a desigualdade
Ou era o que se pensou
Pois a ver a trajetória
Ao consultar a História
Me pergunto: o que mudou?
Anexo | Tamanho |
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