"As imagens passam depressa. Depressa demais! Tantos lugares... Tantas pessoas... É como se eu estivesse dando várias voltas ao mundo a uma velocidade que nem queira saber... No início, via apenas uma mancha que se deformava antes que meus olhos pudessem entender que se tratavam de imagens. Hoje posso enxergá-las muito bem."
"Quem sou? Isso faz alguma diferença pra você? Pra mim, não faz nenhuma... É legal poder sentir o vento no rosto, ver o mundo inteiro... Bem, na verdade não sinto vento nenhum no rosto. É a sensação de voar, sabe? A sensação de velocidade. Ver tudo passando por você como um relâmpago. Não tem coisa melhor... Dia e noite são apenas segundos diante desse par de olhos, cara! Quem você conhece que pode dizer o mesmo?"
"Tudo bem... Não é lá tanta vantagem... As coisas se tornam meio... Repetitivas... Mas melhor que ver os dias passarem diante de uma parede velha e sem graça. Você deve saber muito bem do que estou falando. Esse tipo de gente que fica dia e noite fazendo nada... Não sabem o que é fazer nada por não poder."
"Sim! Claro que eu queria fazer alguma coisa! Tanta coisa deixei pra trás! Mas acho que se recebesse outra chance, não saberia o que fazer com ela... Você viu aquela moça de azul na varanda da casa vermelha? Não? É uma loira, magra, de uns vinte e cinco anos... Naquela cidade! Na terceira depois do mar, na hora que eu falei! Não viu o mar? É, sei... Realmente não é tão fácil pra você quanto o é pra mim..."
"O que tinha a moça? Bem, basta dizer que faz mais de três anos que ela está ali. Algumas vezes não está, outras está exatamente na mesma posição, olhando o mundo. Quem recebe o dom da vida, o mínimo que pode fazer é desfrutar dele... Tem gente que não vê que em um segundo a vida se vai... Só quando isso acontecer, vão ver o quanto deixaram pra trás. Tanta coisa por fazer!"
"Também, não posso culpá-la tanto... Ela nada mais é do que um hospedeiro. Há criaturas nas sombras, amigo. Elas são as responsáveis. Senhoras e parasitas, matam as pessoas aos poucos. Às vezes são uma saudade, uma preguiça, uma distração. Há sempre um jeito de agir."
"Mudando um pouco de assunto... Você nem imagina o que tem no mar, lá no fundo... Eu sei. Essa é uma das poucas vantagens, no meio de tantas desvantagens."
"O que é que tem lá? Sinto muito, mas não tenho permissão para contar..."
"Como? Não acredita em mim? Azar o seu! De uma coisa você não tem como duvidar: eu existo. Estou aqui, ainda que você não saiba nem o que sou."
"Também acho... Boa pergunta... Mas não posso dizer ainda. Sabe de uma coisa? Vou embora. A conversa está começando a ficar chata. Um dia você me vê de novo. Até mais!"
E a estranha forma espectral acinzentada, sem face, sem forma, como uma nuvem que insiste em não se dissolver, some através da janela, deixando para trás o vazio. O que era? Não se sabe. Era alguma coisa incapaz de tocar, mas que ainda tinha sentimentos...
O quarto está escuro, mas você pode ver o que nunca havia visto. A velha parede de pedra brilha com uma luz de morte e energia. De uma energia acumulada a muito custo e há muitos anos. O chão parece de uma gelatina verde, uma espécie de lodo radioativo. A vela está apagada. Então, o que brilha? Virando o rosto para a entrada do quarto, perto da mesinha que parece ter vida, mesmo sem se mexer...
Não é a mesa que brilha, no entanto. Um globo de luz de meio metro de diâmetro se aproxima de você. O que será? Dentes!!! Partiram do globo em um golpe rápido. O susto o faz se lançar para trás. Deve ser a tal criatura... Será? Olha! Que manchas são essas agora? Espere... Parecem...
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