- Senhor Bris?
- O quê?
Ele pisca várias vezes como se isso o fizesse aterrissar novamente no seu escritório. Quando a vista volta, encara o funcionário ali, depois do birô em seu escritório.
- Diga.
- Queria saber se já posso mandar para a fábrica os modelos do ano que vem.
- Sim, sim! Os novos modelos! Pra falar a verdade, não tive tempo de olhar essa papelada. O que o Martin mudou?
- A equipe decidiu cancelar quatro modelos. Estão usando mais retas. Retas arredondadas! Eles dizem que é a tendência no design a partir de agora.
- Retas...
- Podemos alegar aerodinâmica, que é o que o pessoal do marketing pretende fazer, mas no fundo tanto faz, é só uma decisão estética. Ano passado a gente...
O homem de terno fecha os olhos e os abre na lembrança.
- Ei,Bris! Vai encarar mesmo, cara!? Amarela não!
- Está maluco!? Te encontro lá embaixo.
Os dois jovens se olham. Estão de capacete de motocross, mas suas montarias não apenas bicicletas montanas. Eles sorriem e colocam os óculos de proteção antes de se jogarem montanha abaixo.
O vento batendo em seu rosto e toda a trepidação e saltos a toda aquela velocidade jogam a adrenalina lá pra cima. Ele se concentra para aproveitar cada momento de atrito dos pneus com a natureza, cada instante para garantir o equilíbrio e o controle do seu cavalo indomável de metal.
Outro dia se chocou com uma árvore, de lado, rodou no ar e caiu de costas no chão. Outra vez foi o Tom. Mas uma voz distante interrompe as lembranças e ele se dá conta de que os tempos são outros. E o funcionário ainda está ali falando.
- ...no Cleveland, que vai ser lançada só na versão de fibra de carbono. E tem o modelo Ardennes, aquela elétrica, que querem dar mais publicidade este ano. Pensei que o Jerônimo tivesse falado com o senhor.
- Não...
- Então ele deve passar mais tarde.
- Tudo bem. Quando contratei a equipe eu escolhi a dedo os melhores profissionais. Pode mandar para a fábrica.
“Se bem que eu contratei esses 'gênios' há uns vinte anos. O que vinte anos fazem com uma pessoa?”
O funcionário sorri e sai da sala deixando Bris sozinho novamente.
Ele vai até a janela e sorri.
“Uma bicicleta elétrica... É, talvez isso emplaque, talvez não. Eu podia pegar uma pra mim.”
Pensa um pouco e balança a cabeça em negação.
“Não, não é a mesma coisa...”
E triste volta para o seu birô e se senta. Pega um lápis e começa a arranhá-lo enquanto divaga.
“Logo, logo não poderei mais comandar essa empresa. E o que vai ser da Zephyr Montain Bikes? Tudo vai estar nas mãos de Marcelo... De Frida... De Simon... Eles são jovens, devem saber conduzir melhor os negócios do que esse velho. Se eu tivesse conseguido montar a empresa quando estava no auge das bikes, quando eu era o rei do balacobaco... Mas não, é difícil reunir tudo numa época só: a disposição, o capital e a saúde. Ou mais ou menos isso... Hoje essa turma não quer saber de nada, só de videogame e de namorar, de cinema... Pode ser que saia alguma coisa boa dessa mistura, quem sabe?”
Ele sorri triunfante, colocando a caneta na mesa e encarando o vazio.
“Não vai ser a mesma coisa...”
-- Cárlisson Galdino
P. S.: Foto do post: End of a good day, de fusiasa
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