O Templo de Ueblo-Dóy

"Já é tarde. 'Dianta mais não. O céu iscuro vai chegar."

Era um dia quente. Havíamos saído pela floresta em busca de Ivan. Ele havia deixado o grupo de manhã e, não sabíamos a razão, ainda não voltara. Já era tarde e as árvores altas e distorcidas nos traziam a luz do Sol meio apagada, cortada por suas folhas. As folhas secas no chão estralavam quando eram pisadas e isso estava nos deixando nervosos.

- Que é isso, homem? Temos que encontrá-lo.

Éramos apenas três nesta busca: eu - Clóvis -, Sauron e Ivan, que não estava mais conosco. Estávamos nesta floresta há mais de duas semanas, graças ao Ivan. Ele era um estudioso das plantas e estava pagando a gente para acompanhá-lo, dando segurança e ajudando em algumas tarefas diárias. Desde o início a gente achou que era melhor se ele tivesse falado com os colegas dele pra vir junto: não cobrariam nada e dividiriam a pesquisa. Mas acontece que, como notamos depois, Ivan era um cara bem egoísta. Ele não queria compartilhar nenhuma descoberta com ninguém. Como havia rolado uma grana, a gente topou vir junto.

"Acha mesmo que ele se perdeu?"

O acampamento ficava lá atrás, numa parte da floresta que a gente escolheu. Eu falava que era melhor cortar algumas árvores, mas Ivan não queria isso, dizia que estaríamos "ferindo" o meio-ambiente. Até que a gente encontrou aquele canto. Era um vale entre as árvores. Apareceu na nossa frente como uma bênção, pois era quase de noite no dia que chegamos e ainda não havíamos decidido qual o canto onde dormiríamos. O local era tão bom que estamos acampados lá ainda.

- Quem sabe? Talvez tenha quebrado uma perna e não consiga voltar...

- E a gente tem que ir atrás dele? De noite?

- Está com medo, Sauron?

- Não! É que a gente poderia procurá-lo pela manhã, sabe? É mais claro.

- Sei... Mas se ele não aparecer, quem vai pagar o nosso trabalho?

- Eita! É mesmo! Vamos lá, então encontrar o Ivan antes que ele seja devorado por alguma onça feroz.

Sauron... É um cara simples que trabalha como vigia de fazenda. A fazenda do Renato, conhece? É, acho que não... Esse Renato aí é amigo do Ivan e deu permissão pra o Sauron vir aqui nessa missão que, segundo Ivan disse, devia durar um mês. Já quanto a mim, eu trabalhava no Banco, mas estou desempregado há mais de um ano e, sabe como é... Qualquer trampo é bem-vindo.

Lá no acampamento, o negócio é o segunte: Sauron cuida da segurança e tem que ficar armado vigiando o lugar; eu cuido da comida e ajudo Ivan em algumas coisas. É isso: e ele faz o trabalho dele. Não é muito complicado, né? É, e também não é muito o que a gente está recebendo não...

- Você ouviu isso?!

- O quê...

- Pareceu uma onça!

- Fica frio. Deve ser onça não. Deve de ser é um leão!

- Valei-me!

E ele começa a se benzer todo. Como ele é medroso! Sinceramente, o Ivan não podia ter escolhido um vigia pior.

E parece que ele tem um problema com onça que toda hora ouve uma. É, mas, mudando de assunto, já está escurecendo mesmo. A gente tem que encontrar logo o Ivan senão... Sei lá.

- Ah, meu "padinho Cíço"!

- Que foi, homem?

- Olha lá!

- Mas que... Parece um templo! No meio da floresta?!

- Isso é coisa do capeta!

- É não, homem, é coisa de gente de carne e osso como nós!

- É não "sinhô"! Duvido!

- É sim. E sabe de uma coisa? Eu acho que está explicado porque o Ivan não voltou.

- "Ocê" acha que ele... Ai, não!

- An-han! Vamos lá! Ele deve ter visto esse templo e foi ver como era por dentro. Deve ter se empolgado e perdido a hora.

- Não "vamo" lá não, "homi" de Deus! Lá deve "sê" morada do satanás! E se ele "pegá" a gente!

- Vamos lá sim, que quem fez isso não deve estar mais por aqui não.

- Então vai só! Eu vou é "voltá" pro "acaimpamento".

- Tudo bem, mas vai ter que deixar eu levar a arma.

- De jeito maneira! E como eu fico lá?

- Sozinho. Eu disse que era pra gente ir lá.

- Não "sinhô", que a arma é minha. Eu vou "voltá" pra lá com ela.

- E vai ficar sozinho e sem comida. Eu não fiz nada ainda!

- Ah, "dexa" que eu me viro!

- Tudo bem. Boa sorte então.

Bem, dito isso eu começo a caminhar em direção ao templo: não deve estar muito longe daqui. Quanto ao Sauron? Se bem o conheço, não passarão cinco minutos até que ele mude de idéia e venha correndo pra cá.

Pra falar a verdade, já esperava por isso. Já pensou se ele não viesse? Ia ficar sem arma e sozinho me batendo pela floresta atrás do Ivan.

Ele saiu de manhã pra procurar umas plantas lá. No início ele ia com a gente. Depois viu que não tinha perigo e faz três dias que ele está indo sozinho.

É, já não consigo mais ouvir os passos dele. Só os meus passos estridentes nessas folhas secas. Já escureceu e tenho que pegar minha... Minha...

- Que droga!

Esqueci a lanterna no acampamento!! Tudo bem, calma... É só continuar andando... Espera um pouco. Eu tenho um isqueiro... Está aqui! Posso queimar alguma coisa, os animais não gostam muito de fogo, né? Mas o que é que eu queimo... Minha camisa? Não. Meu boné? Talvez, mas eu não quero queimar meu boné do Kiss, custou caro. Folha, sem chance... Galho! Mas eu ia ter que secar meu isqueiro pra queimar um galho... É, parece que eu vou ter que queimar meu boné do Kiss mesmo...

- Sinto muito, boné... Isso vai doer mais em mim do que em você...

- Dá ele pra mim!?

- Quê?

- "Cê num qué" mais não?

- Ora, Sauron, então você voltou?

- É, achei que "ocê" ia necessitar de ajuda.

- Ótimo. Está com a lanterna aí?

- "Tô" sim! "Ói" aqui!

- Isso é ótimo. Acabei de economizar vinte reais.

- Vinte... "Riáis"... Num "buné" desse?!

- É um boné muito bom!

- Sei... "Cu'esse" dinheiro eu comprava comida de uma semana e ainda dava pra cerveja.

- Tá certo, vamos indo?

- "Cê num qué voltá mermo" não?

- Não. Vamos lá que o templo já está bem perto.

Ôpa!

- Perto demais...

A gente já estava chegando no templo! Eu quase caí na escada!

- Bem, olha o templo aí.

- Isso é só uma escada...

- É, mas tem uma "casinha" lá em cima. Olhe direito.

- "Num" é que tem "mermo"! "Vamo" lá?

- Já perdeu o medo?

- É que essas coisa acontece mais perto de meia-noite. Se a gente for rápido...

- Você está é curioso pra saber "quem mora naquela casinha", não é não?

- "Tumbém".

- Vamos subir.

- Puxa, qué "iscada"... Nem no apartamento da minha "fía" tem tanta escada assim...

- Você é casado?

- Não! Eu tenho uma "fía cum" a "Arfa".

- Com quem?

- É uma "mulé" que eu "cunhecí" quando era garoto. E "cunhicí" um pouco longe "dimais", sabe?

É, esse Sauron é mesmo uma figura. Bom, a gente está chegando agora no topo. O templo é baixo e tem uma passagem, como se fosse uma porta em formato de triângulo...

- EI! IVAN!!! CÊ TÁ AÍ DENTRO?!?!?!

Quem responde é o eco. A gente vai ter que entrar lá.

- Vai na frente?

- "Pur qui" eu?

- Você tá com a lanterna.

- Pode "pegá" ela!

- Está bem, mas você está armado.

- Tá, tá, eu vou na frente...

Entramos... A estrada era estreita e tínhamos que nos abaixar um pouco. De repente, ouvimos um grito: "Estou aqui!!!" Era o Ivan sim, e vinha de lá de baixo, dentro do templo.

- Eu não lhe falei?

- É, "nóis" têm que "í" lá.

- Vamos, então.

O caminho era difícil e o lugar é sujo pra caramba. Tem de tudo um pouco: lodo, teia de aranha, uns barulhinhos pelo canto que devem ser de ratos ou bixos assim.

- Ôxi! Tem rato aqui!

- Deixa o rato pra lá e vamos embora!

- Eu num quero morrê de mordida de rato não.

- Você vai pra gente encontrar o Ivan ou...

- Tá bem, eu vou!

- O tempo está passando e vai dar já meia-noite.

- Tá bem, já disse que vou!

- Pois vai!

Finalmente passamos a seguir. Na escuridão não dá pra ver quase nada. A lanterna não é tão forte assim e está com o Sauron. A minha parece que estava melhor.

- Ei! Tem um burac'aqui!?

- Que tipo de buraco?

- Buraco de caí gente!

- Dá pra passar uma pessoa?

- Passa sim!

- Tem escada?

- Num tem não! E se tivesse eu num descia.

- Olhe bem que deve ter uma escada...

- Não sinhõ, eu num vou descer não!

- Tem uma escada de degraus feita com a parede não é?

- É sim, mas se quizer vai tu que eu não vou não.

- Agora não tem mais volta não. Vamos descer lá.

- A gente nem sabe se o Ivan tá lá imbaxo!

- Grite aí pra ver!

- Ô Ivan...

- Mais alto! Faltou fôlego, homem?

- Ô Ivan!!!

Ouvimos a resposta pouco depois: "Aqui!".

- É. É a voz dele. Vem de lá de baixo. Vamos descer, Sauron.

- De jeito manera!

- Vamos lá... Está tudo bem... O Ivan conseguiu descer e está lá embaixo. Vamos descer!

- Não quero não.

- Vamos senão eu empurro!

- Como é que é?

Como ele é froxo, vai descer rapidinho. Só espero que ele não se lembre que está com a espingarda.

- Tá bem, tô indo! Calma!

Não disse?

- Como é aí embaixo?

- Tem quatro corredor. Venha também, ôxe!

- Estou indo... Cara...

Caramba! Que queda! Minha perna direita está doendo.

- Tá bem, Crovi?

- Estou só um pouco machucado! E já disse que meu nome é Clovis!

- Tá bem, Cro-vis!

- Olha, deixa disso. Temos que procurar o Ivan. Vamos lá... Ah, e são dois corredores e não quatro.

- Como assim! São quatro sim que eu num bebi! Tá embirutando? Óie direito!

- São dois que se cortam no meio, como o cruzamento de duas ruas.

- Ah, mas não é isso não... São quatro corredores sim!

- Deixa de conversa e vê se enxerga alguma coisa.

Estava discutindo com ele só pro tempo correr mais depressa e diminuir o nervosismo. Não é todo dia que você está dentro de um templo esquisito como esse, afinal de contas...

- Espere... Achei! Ele está ali!

- Ah é? E como é que cê sabe?

- Tem luz vindo de lá.

Taí uma vantagem de eu estar sem lanterna... Acho que isso me ajudou a ver a luz fraquinha lá no fim do corredor. Imediatamente partimos naquela direção. Minha perna... Parece que machuquei mesmo...

O corredor é daqueles normais. Ou melhor, não dá pra ver muito bem, mas também não vejo nada de muito especial nele.

Enfim, chegamos. As paredes com rabiscos sentem-se invadidas pelos olhos atentos do Ivan. Dá pra sentir isso no ar.

Mais tarde percebi que se tratavam de símbolos gráficos de uma cultura primitiva. Supõe-se, mas talvez não tão primitiva assim...

- Ivan! O que faz aqui?

- Olha! Achei isso! Não é interessante?

- Mas são só desenhos!

- Não! São inscritos de uma civilização antiga que viveu aqui! Não sei bem que povo era...

- Você entende isso?

- Muito pouco. Mas consegui deduzir alguma coisa.

- E o que querem dizer?

- Lendas antigas, entende? Coisas que podem acontecer com quem entrar aqui. Ainda não descobri o que é.

- Parecem pessoas festejando.

- É... Em cima de um disco, ou uma pira.

- É mesmo... Sabe que lembra um CD?

- Talvez.

- E o que é aquilo ali? Chuva?

- Pensei que fosse, mas eles não representavam chuva desse jeito.

- Espera um pouco. Que tipo de gente constrói um troço desse tamanho e não sabe nem escrever?!

- Ora, são símbolos...

- Eu sei que são símbolos, droga! Mas para um templo como esse se esperava pelo menos símbolos mais bem-trabalhados. Isso aqui parece mais de homens das cavernas...

- Sabe que você está certo em parte?

- É chuva nada! É sombra! É iscuro! - Sauron, que estava calado desde que entramos na sala, começa a gritar nervoso.

- Do que você está falando!

- É iscuro!

Imediatamente tudo começa a ficar escuro e as inscrições na parede brilham. Ivan corre para a parte da imagem que discutíamos.

- Ivan, não! Não arranhe...

Era tarde. Ivan ia arranhar o CD e minha perna não me deixava fazer nada pra impedir. E podia ouvir Sauron gritar:

"Já é tarde. 'Dianta mais não. O céu iscuro vai chegar."

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