Porque Cultura Livre pode ser Boa para o Mercado de Jogos

Este post é uma tradução livre do artigo Why Free Culture could be Good for the Games Business, publicado em abril de 2012 no blog Free Gamer.


Hoje eu gostaria de falar sobre como a cultura livre pode ser (talvez contra-intuitivamente) boa para o negócio de jogos comerciais. Estou usando Dungeons & Dragons (e seu recente fork de sucesso Pathfinder) como um exemplo concreto daquilo que estou falando, mas não há razões para que isso não se aplique a jogos de computador também.

Tenho sido um geek do Dungeons & Dragons por 20 anos, desde que eu foi apresentado a ele no primeiro ano do ensino médio. De volta aos dias ginasiais, D&D estava na segunda edição e a Internet estava em sua infância. Dungeons & Dragons era a posse de um monstro encrenqueiro chamado TSR, que era famosa por enviar reclamações legais de uso de copyright toda vez que alguém colocava na web algum conteúdo de D&D criado por fãs. Isso era particularmente irônico, uma vez que a ideia por trás do Dungeons & Dragons era que eles davam livros de regras e nos chamava a criar nosso próprio conteúdo derivado deles.

No final de 1990, por diversas razões (que sem dúvida incluem o fraco tratamento dedicado a seus consumidores), a TSR estava com problemas financeiros e foi vendida à Wizards of the Coast. Como qualquer seguidor das companhias de jogos sabe, é sempre um pouco assustador quando outra companhia adquire a companhia de que você gosta. É comum que termine se mostrando algo ruim, porque a companhia que adquire a outra é invariavelmente maior e geralmente cuida menos da qualidade atual dos produtos e se preocupa mais com renda (pense em todos os estúdios que a EA comprou e depois arruinou). Neste caso em particular, nosa preocupação foi infundada; a compra da TSR pela WOTC terminou resultando em uma enorme mudança cultural para o D&D...

O lançamento da Open Game License, uma licença com copyleft para conteúdo de RPGs de mesa, foi simplesmente a melhor coisa que poderia ter acontecido ao Dungeons & Dragons. Pouco depois de comprar a TSR, a Wizards of the Coast liberou a terceira edição do D&D sob essa licença, que abriu o D&D não apenas para a expansão feita por fãs, mas para qualquer desenvolvimento comercial. De fato, depois da OGL, a reclamação que eu ouvia com maior frequência relacionada ao D&D era que a popularidade de conteúdo licenciado sob a OGL tornou o Sistema D20 (que era o sistema em cima do qual a terceira edição do D&D foi feita) tornava muito difícil competir com ele. A terceira edição introduziu a ideia de um Documento de Referência do Sistema, que era um corpo de conteúdo em texto livre e incluia as informações básicas necessárias para jogar o jogo. A terceira edição tinha seus problemas, mas era fácil de jogar, aprender e (principalmente) criar,  resultando em uma enorme riqueza de conteúdo, tanto comercial quanto feito pelos próprios jogadores.

Infelizmente, os dias de Wizards of the Coast estavam perto de terminar, quando fossem comprados pela gigante dos brinquedos e jogos Hasbro, em 1999. Eu não tenho informações sobre a companhia, mas visto de fora certamente a cultura da WOTC foi mudada para pior, em pouco tempo, com demissões quase anuais, geralmente perto do Natal. Depois que a Hasbro adquiriu a Wizards, eles lançaram Dungeons & Dragons 3.5, que era em essência a versão 3.0 expandida, com alguns ajustes de equilíbrio, que funcionavam como uma errata de $100.. A edição 3.5 foi, no geral, bem- sucedida, mas não havia como negar o sentimento geral de desapontamento. Ela poderia ter sido muito mais do que era, e as diferenças não eram substanciais a ponto de justificar o preço elevado.

Vou divagar um pouco sobre os RPGs de mesa em geral. Uma coisa que parece acontecer no mundo da mesa é a seguinte: uma nova edição do jogo será lançada, então o conteúdo adicional começa a ser lançado para a nova edição, até que eventualmente os acréscimos se tornem tão numerosos que seja impossível para alguém mapear todos eles. Eventualmente, os jogadores se sentirão supridos em suas necessidades pelo conteúdo existente, e não sentirão mais necessidade de outros conteúdos. Neste ponto, a companhia volta, analisa as limitações do seu sistema e então criam um novo, reiniciando o processo.

D&D 3.5 atingiu esse nível de saturação quando WOTC/Hasbro lançou a quart edição. De longe (na minha opinião), a mudança mais dolorosa entre 3.5 e 4.0 foi o estraçalhamento da Open Game License e a criação da Game System License. A quarta edição tem seu próprio documento de referência do sistema, mas é patética (alerta de PDF) em comparação com a da terceira edição, e não inclui qualquer conteúdo útil. A quarta edição também inclui várias mudanças no sistema sob o capuz, que não são assunto para este post. Não pretendo começar uma flamewar sobre qual sistema de regras é melhor (isso vem sendo feito por aí até a morte). É certamente verdade que muitas pessoas que estavam felizes com a terceira edição sentiram que a quarta edição se afastou demais das regras e do estilo de jogo que eles usavam, e consequentemente continuaram jogando a versão 3.5.

Neste ponto, qualquer bom capitalista lhe dirá que se há clientes não servidos que querem ser servidos então convém, para melhor resultado financeiro, serví-los. Uma empresa fundada em 2002 chamada Paizo Publishing, que vinha lançando complementos de sucesso para 3.0/5.0 (entre outras coisas) decidiu pegar o conteúdo para D&D 3.5 licenciado sob a OGL e foi assim que o Pathfinder nasceu. Pathfinder, que se parece com seu predecessor, tem um Documento de Referência do Sistema completo, que é particularmente notável, sendo mais completo inclusive que o DRS do 3.x. (Você pode encontrar a versão oficial aqui e uma altamente utilizável aqui. Elas fornecem informação mais que suficiente para jogar um jogo completo, incluindo todas as expansões, gratuitamente).

A liberação do Pathfinder, baseada no D&D 3.5, fez mais do que reequilibrar o jogo - ele também adicionou uma série de conteúdo para tornar o jogo mais divertido de jogar, de modo geral. Como consequência, Pathfinder cortou a receita da WOTC, trazendo os clientes que poderiam terminar comprando o D&D 4. (Cá pra nós, eu me sinto mais decepcionado com a atualização do 3.0 pro 3.5 agora que eu sei como ela deveria ter sido, comparando o que a Paizo fez no Pathfinder com a atualização da WOTC/Hasbro, eu sinto quanto isso foi uma jogada visando apenas mais lucro).

Agora que estabelecia as informações de fundo, finalmente chego ao que queria falar: se você se precipitar nesse assunto, pode assumir que, uma vez que o conteúdo OGL fez claramente a WOTC/Hasbro perder dinheiro, é comercialmente uma má ideia. E aos olhos dela, provavelmente é. O que a maioria das pessoas não considera, entretanto, é que a liberação de um sistema aberto permitiu a alguém mais dar seu próprio passo e transformar o que seria uma linha de produtos estagnada em um sucesso comercial. Qualquer conversa de publicadores comerciais de que cultura livre é má para os negócios é essencialmente desinformada e carente da visão da cultura livre - o que eles querem dizer é que cultura livre é má para companhias que não estão prontas para reconhecer o que seus clientes querem.

Para companhias como a Paizo, a cultura livre criou uma oportunidade para sucesso comercial, e eles conseguiram gerar renda de seus produtos sem removê-lo do "commons". E, se a Paizo sofrer alguma mudança infeliz de gestão e decidir não lançar mais produtos sob OGL, outra entidade comercial poderá dar continuidade e fazer dinheiro dando aos consumidores o que eles querem.

A lição a ser aprendida é esta: da próxima vez que você ouvir alguém sugerindo que a cultura livre é de alguma forma contra-negócios ou má para a economia, diga para eles que só é má para modelos de negócio estagnados, que sentem a necessidade de competir, mantendo o mercado fechado, ao invés de fornecer o conteúdo que seus clientes querem. E não absolutamente qualquer razão para que isso não possa se aplicar também a videogames.

Peace out,

Bart Kelsey
OpenGameArt.org

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