Olhos Azuis

As águas quebram aos rochedos. A espuma e o azul do mar quase reproduzem o céu tão bonito com suas nuvens de algodão. O cheiro de praia invade seus pulmões e, jogando os cabelos para trás, ela encara o horizonte, quase vendo a embarcação se aproximar.

Logo que vê algo deslizando no liso e celeste tapete marilho, ela se ergue no rochedo de quase dez metros e, do alto dos seus quase dois de altura, não se agüenta de ansiedade.

Sim, Janaína sabia que haviam de vir e espera de pé com o vento sacudindo seus cabelos.

Mas há um brilho novo envolvendo o navio, que chega cada vez mais perto. Uma luz que ela não consegue definir bem. O veículo já se encontra bem próximo agora.

Janaína força a visão mas é incapaz de ver quem vem lá. Não é a distância, mas escuridão noturna. Há chamas sutis que lutam para serem vistas. Em tochas certamente erguidas pelos tripulantes.

Mas antes que ela note que ainda é dia, o barco se aproxima e encosta no rochedo. Janaína corre ao ver o braço escuro do guerreiro dos seus sonhos. É Nilo, mestre capoeira, e ela corre alegre em sua direção. Nem vê que não faz sentido um barco de tal porte chegar tão perto assim do rochedo.

O navio parte e ela se lembra da tia Inês, que até hoje era solteira por esperar seu marujo. Esse foi o erro que ela não quer cometer e abraça Nilo com força, que ao ouvido lhe diz "Tudo está bem". Ela sabe que é mentira.

Ficou tanto tempo presa nessa ilha... Viu dinossauros e quem não devia e aprendeu a ver além do que se mostra aos seus olhos por vontade própria.

Seus olhos buscavam o mar inquietos, mas o casco estava na frente. A tripulação, alerta e desconfiada, se pergunta o que ela está sentindo. Não tem mais tochas nem é noite. O barco caminha e ela olha para baixo como quem perdeu o brinco e, de saia, não pode se abaixar para procurá-lo.

Deusa pura da terra dos Orixás, Janaína, morena de olhos azuis, como azuis são suas roupas boas e humildes, fita o horizonte à procura de seu "brinco". Ao não achar mais nada, ela simplesmente abraça Nilo e é correspondida. Um brilho a inquieta. É algo fraco mas de luz inegável. Ela nota que vem de um dos tripulantes: Giranux, filho de Platão e Dora. Pelo menos este é o nome que lhe vem à cabeça antes que receba um beijo de surpresa de Nilo.

Ela o beija com ardor até sentir sangue em seus lábios. Janaína se afasta assustada. O beijo de Nilo trazia o gosto da morte. Ele havia sido acusado de um assassinato há menos de três meses, mas foi inocentado. Janaína não consegue deixar de associar uma coisa à outra.

Quanto à ilha era uma longa história. Tão longa que ela não era mais capaz de ver a outra ponta, mesmo tendo estado lá por bem menos que um dia, mas antes disso as coisas eram normais.

Assustada, Janaína olha os lados e vê as sombras dos tripulantes conversarem entre si. Quando Nilo abre a boca, um tentáculo negro sai sem que ele perceba e a ataca.

Em desespero e enjoada, a linda jovem vê apenas o brilho de Giranux aumentar, o que de início é notado e temido pelo tentáculo, mas este avança e antes de perceber que sombras não conversam, Janaína cai no convés com uma parada cardíaca. Tão jovem e sem saber que o negro Giranux na verdade se chamava Francis.

Ela se vai sem saber que Nilo, tempos depois, se tornava pirata, com seu bando servil completo, exceto talvez pelo mesmo Francis, que o deixaria para ter uma vida normal e humilde, com mulher e filhos.

Mas uma coisa Janaína descobria, no final, apesar de tudo: seus olhos eram espelhos de todas as almas.