Cada movimento traz o mesmo som. Seu braço se estende e recolhe com notada impaciência, junto ao ranger das juntas. Juntas metálicas, ou supostamente metálicas.
O mar e seu colorido tênue não surtem efeito sobre seus olhos sem cor. Seu olhar foca apenas o braço. Rochedo, areia, vento, Sol, crianças, pessoas, seu braço.
O som do seu metal se sobrepõe ao barulho das ondas, aos gritos e falarias.
Estende o braço com cuidado e ouve o mesmo ruído metálico, ouvido já tantas vezes, há tanto tempo que seus registradores de memória estouraram a capacidade de armazenar, e ele simplesmente deixou que prosseguisse assim mesmo.
Há algo errado. Ainda não notou ao certo. Há algo errado com seu braço.
Recolhe o braço, vagarosa e atentamente. Seus dedos rusticos com junções à mostra se aproximam do rosto. Rústicos, mas traçados, não foram feitos de qualquer jeito. Abre e fecha a mão. Não há problema com ela, é só o braço.
Estende o braço até que toque mais uma vez sua coxa. Não sem produzir o mesmo ruído. Seu rosto não traz qualquer expressão. Por não ser capaz, mas também por causa do braço.
Recolhe o braço e o ruído se mostra outra vez, enquanto o braço se aproxima do seu estranho rosto sem nariz e sem boca, mas com olhos. Olhos como lentes de máquinas fotográficas, equidistantes em sua cabeça em formato de barril.
Estende o braço lentamente e ouve o mesmo ruído. Nem assusta mais a gaivota já pousada em seu ombro oposto. Por vezes é um pombo que fica inutilmente bicando sua cabeça blindada.
- Ei, benzinho, o que é isso?
- Ah, é um robô!
- Eu sei que e é um robô, mas ele parece tão estranho...
- É, a gente chama de Tenhen! Ele fica assim o tempo todo.
- O que houve com ele? Fica só assim?
- Sei lá! É uma comédia, né?
- Dá dó dele, tadinho...
- Meu pai.
- Que tem seu pai?
- Lembrei agora. Quando eu era pequeno minha mãe me disse. Meu pai era pequeno e tava passando por aqui quando viu um robô e achou estranho o barulho que fazia. Daí perguntou se não tinha alguma coisa errada com ele.
- Nossa, coitado! E até hoje ninguém fez nada pra ajudar?
- Não, imagina! Ele é só um robô velho!
- Ah, não fala assim dele... Dá pena ver o coitado assim, tão sujo... Deve estar precisando de ajuda...
- Ah, deixa disso, vamos comer uma pizza?
- Vamos! Só se for de calabresa!
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