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A Prosa de Vlad e Louis

Boa noite ou boa tarde
Ou bom dia, camarada
Hoje vou contar um caso
(ou será boa madrugada?)
Bom, vou falar de um encontro
Uma história inusitada

Era uma noite de chuva
Madrugada, na verdade
Na rua ninguém passava
E perto daquela grade
Eu ouvi naquela praça
Bem no meio da cidade

Eu voltava caminhando
Da casa do meu amor
Quando ouvi uma conversa
Que logo me assustou
Me escondi pra não me verem
E o papo continuou

Era um velho de cartola
Preta como a escuridão
De terno bastante antigo
Que falava com emoção
Com um jovem do seu lado
Com a voz de assombração

- Esse mundo anda perdido
Olha só pro meu estado
Já matei tanto bandido
Desde um antigo passado
Aí vem esses pivetes
E estou desmoralizado

"O meu nome era temido
Na Europa e no planeta
Só de ouvir, nêgo gelava
E hoje, veja só que treta
Me associam com um maricas
Que queria ser borboleta!"

O velho estava enfezado
Andava pra lá e pra cá
Um pouco baixo, mas nobre
O céu já a trovejar
O outro sentou na praça
Também resolveu falar

- Caro mestre do meu mestre
Nem sei o que te dizer
Não queria que voltasse
Só para se aborrecer
Melhor era estar dormindo
Como há anos pôde ser

"Infelizmente, concordo
O mundo está ruim, meu caro
Eu não sou tão nobre assim
Quanto você, honorário
Mas graças a esse moleque
Também eu me sinto otário"

- Devo confessar, meu jovem
Já me achei desrespeitado
Por você e seu amigo
Mas hoje isso é do passado
Nunca pensei num futuro
Assim tão esculhambado

"No meu tempo eu perseguia
Donzelas e sequestrava
Seduzia e conduzia
Depois me banqueteava
Alguns vinham me deter
Mas ninguém me derrotava"

"Hoje vem esse moleque
Que parece retardado
Vive há décadas fazendo
Escola, aquele coitado
Cheio da sua frescura
Só quer ser sofisticado"

"Não caça mais as pessoas
Só se alimenta de bicho
Você já viveu de rato
Foi um grande reboliço
Mas superou e o pirralho
Nunca vai para com isso"

- Aquele tempo eu me lembro
Foi logo que despertei
Foi uma fase, passou
Sofreres que só eu sei
Tudo isso me fez mais forte
Aprendi o que hoje sei

"Mas o drama do moleque
É que está apaixonado
Por uma mocinha bela
Que nada mais é que gado
E nem se alimenta dela
Nem transforma pro seu lado"

"Os dramas lá do meu tempo
Eram matar sem querer
Mulher já com trinta anos
Que não podia crescer
Condenada a ser pra sempre
Menina que não quer ser"

"Era a mão da inquisição
Nos obrigando a fugir
Eram brigas entre irmãos
Foices, o fogo a subir
No desespero querer
Morrer e não conseguir"

- O seu tempo já foi outro
Ninguém passa o que passei
Eu vivia num castelo
Vivia acima da lei
Todo mundo me temia
No meu tempo, fui um rei

"Já te achava avacalhado
Eu, bem mais que Realeza
Você vivendo com outro
E hoje, veja que tristeza
Vem os ventos do destino
E nos trazem essa surpresa"

"Um desgraçado qualquer
Que tem pai, irmã, irmão
como fosse isso normal
Nessa nossa posição
De predadores do mal
De monstros sem coração"

- Coração, eu já o tive...
Mas nunca fui parecido
Com aquele afeminado
Mas lembro do tempo antigo
Sentia falta do Sol
Tão letal a nós tem sido

- Louis, você é um menino
Tem tanto ainda a crescer
O Sol não é mais problema
Frente a todo o meu poder
Se eu controlo as nuvens cinzas
O que o Sol pode fazer?

"Posso sair todo dia
No momento que quiser
Você ainda não consegue
Pois morre se assim fizer
Mas o tempo te fará
Forte como você quer"

"Já reparou o moleque
Que queria ser menina?
Ele nunca sai no Sol
Como tu, mas imagina!
É que se ele for ao Sol
Se banha de pupurina!"

- Vampiros já foram fortes
Temidos pelas pessoas
Hoje é essa presepada
Uns viadinhos à toa
Pro nosso mundo das trevas
As coisas não estão boas

"Outro dia numa festa
Num porão a vela e vinho
Na madrugada perfeita
Quando já estava sozinho
Mostrei a presa à garota
Ela disse: 'Ó que fofinho!'"

"'...Você parece legal
Mas prefiro lobisomem
Vampiros são meio estranhos
E eu quero é ter um homem'
E eu tive que matar ela
Para proteger meu nome"

- A vida não está boa
Só quem não vive que viu
E a pista que nos deixaram
Essa pista não serviu
Acho que não está aqui
Talvez nem cá no Brasil

"Vamos continuar a busca
Um dia ele aparece
Vai sofrer como ninguém
Eternamente sem prece
Uma dor eterna e grande
É menos do que merece"

E eles saíram da praça
Um voando com o vento
Como se fosse de nuvem
E o outro noutro momento
Sumiu da praça também
Ou é meu olho que é lento?

E assim voltei para casa
Que sorte que não fui visto!
Pensando nesses vampiros
Em tudo o que lá foi dito
E torcendo pra encontrarem
Aquele fresco maldito!

-- Cárlisson Galdino

Special: 

O Gênio

Na cidade de Rio Largo
Bem perto de Maceió
Havia um tal sujeito
Que vivia sempre só
Estudava e trabalhava
E de noite descansava
Na casa da sua avó

Ele se chamava Leo
Neto de Dona Maria
Quando ele desocupava
Sempre ele refletia
Sobre sua condição
O que diz seu coração
Era louco por Talia

Talia, moça mimada
Morava na capital
Cursava arquitetura
Tinha um jeito fatal
Voz suave e bem pausada
Mas dele, lembrava nada
Se visse, nem dava xau

Mesmo assim o pobre Leo
Recordava todo dia
Quando a viu em uma festa
Na praia, e alguém dizia
"Ela não é linda, homem?
Talia é o seu nome"
Desde então ele sofria
 
Talia era colega
Da irmã de Bastião
Esse amigo de Leo
Que falou na ocasião
Ela veio e depois
Ele apresentou os dois
Leo lembra, Talia não

Mas essa vida dá voltas
Como uma roda gigante
Leo sequer imaginava
Que em um pequeno instante
Seu mundo seria mudado
Tudo então transformado
Nada seria como antes

Foi numa manhã cinzenta
Daquela manhã sem graça
Dia triste e agorento
Que Leo voltava pra casa
Na parede ele viu
Um esquisito cantil
Na rua onde sempre passa

Um cantil assim antigo
De um visual rebuscado
Ele pegou e buscou
Ver se tinha anotado
O endereço do dono
Mas viu que foi abandono
O cantil tava largado

Trazia uma pirâmide
A foto de um faraó
Escrita de povo antigo
Pra entender tenha dó!
Tudo isso, é o que se via
Aquele cantil trazia
Desenhado em seu redor

Leo balançou o cantil
Uma barulheira feia
Ao invés de trazer água
Parece que tinha areia!
O Leo então curioso
Destampou logo o negócio
Sem medo, nem cara feia

Sem que Leo imaginasse
Nem passou na sua mente
O cantil caiu no chão
Num papoco de repente
Vestido de antiguidade
Um homem de alta idade
Ressurgiu na sua frente

"Meu caro cabra de sorte
Não se assuste comigo
Eu não trago sua morte
Nem sou de tu inimigo
Sou um gênio, tu já viu?
E vivo nesse cantil
Creia nisso que te digo"

"Sou um gênio muito antigo
Dos tempos mais esquecidos
Muita gente já me viu
Outros olhos e ouvidos
Mas estou na sua frente
Estou aqui simplesmente
Pra realizar três pedidos"

Recuperado do susto
Leo já estava a pensar
No que era mais importante
Que queria conquistar
Se uma casa com piscina
Dinheiro que não termina
Uma ilha particular...

"Comece pelo primeiro
Diga e está realizado!"
O gênio lhe insistia
E o Leo lá concentrado
Disse: "Tudo o que queria
Era ter aqui Talia
Tê-la sempre do meu lado"

"Pois creia que está feito
Seu pedido desejado
Não vai ser em um instante
Mas está encaminhado"
Mas naquele mesmo dia
Seu pedido, quem diria!
Seria realizado

Leo quase teve uma coisa
Ao chegar na padaria
Revirando a própria bolsa
Ali estava Talia
Linda, com sorriso incerto
De Leo foi chegando perto
Sem saber o que queria

"Oi, como vai?" Leo falou
Talia um sorriso abriu
"Oi!" e falou bem baixinho
Do problema que a afligiu
Uma amiga veio ver
Foi lanchar e que fazer?!
O seu dinheiro sumiu

Não seria diferente
Leo pagou o que ela devia
Saíram então conversando
Foi falando com Talia
Da música ao estudo
Falaram de quase tudo
Mais tempo que se podia

Para não ser assaltada
Sem ter mais como voltar
Na casa da avó de Leo
Talia a noite foi passar
Noutro dia uma greve
Nenhum carro que se pegue
Talia pôde pegar

Assim foi que nesses dias
Acaso aqui e acolá
Talia ficou por perto
Por não ter como voltar
Não dava certo era nada!
Foi deixando ela estressada
Nada estava a funcionar

Leo notando como tudo
Fugia do seu previsto
Pegou o cantil de novo
Chamou o gênio já visto
Não era pra ser assim
Chamou e pediu enfim
Pra acabar logo com isto

- Você quis tê-la bem perto
"Todo tempo, toda hora
E o desejo foi cumprido
Ela não pode ir embora"
- Mas assim ela se estressa!
"Minha Talia não é essa!
Por que está assim agora?"

- Eu cumpri com meu papel
"Nem adianta reclamar"
- Então vou pedir o outro
- Se quiser, pode falar
- Quero que desde esse dia
"Eu desejo que Talia
Me ame em primeiro lugar"

- Pois se é o que você quer
"Saiba que já está feito
Ela vai gostar de ti
Perdoar qualquer defeito
Querer tudo que for teu
Você nunca conheceu
Quem te gostou desse jeito"

Tanto foi que o gênio disse
Que logo no outro dia
Tudo estava diferente
A mudança acontecia
Era claro o sinal
Era um brilho especial
Bem nos olhos da Talia

- Como você é bonito
"Eu nem tinha reparado
Eu sou muito distraída
Mas que bom eu ter notado
Quero respirar seu ar
Te ver em todo lugar
Quero a ti, meu bem amado!"

E Talia estava perto
Sempre querendo seu beijo
E se a sós estivessem
Já se enchia de desejo
- Meu Leo, olha para mim
"Eu te amo um tanto assim!
É só a você que eu vejo"

A mudança mudou tudo
No início foi um céu
Era tudo o que queria
O apaixonado Leo
Mas o tempo foi passando
E tudo isso o irritando
De um jeito tão cruel...

- O que foi isso que eu vi?
"Não se faça assim de tonto!
Vi você olhando outra!
Não permito, eis o ponto!"
- Mas eu não olhei ninguém!
- Me perdoa então, meu bem
"É que eu te amo tanto..."

Seu quarto se encheu de fotos
Pelas paredes pregadas
Talia fotografava
Perseguia obcecada
E o pobre Leo acuado
Desde então nesse estado
Não tinha espaço pra nada

Fazia planos incríveis
Sonhos tão mirabolantes
Que Leo perdia o fôlego
Bastavam alguns instantes
Tanta pressão já sofrendo
Que o desejo foi crescendo
De tudo ser como antes

Ciúmes a toda hora
Planos de um casamento
Talia não ia embora
O tempo corria lento
Leo logo o cantil pegou
Num momento que encontrou
Chamou o gênio de dentro

- Gênio, faz alguma coisa!
"Eu quero voltar atrás!
Essa mulher não me larga
E eu já não aguento mais!
Como foi acontecer?
O que preciso fazer
Para ter de novo paz?"

- O pedido que foi feito
"Foi prontamente atendido
Não reclame do trabalho
Foi entregue o pedido"
- Eu sei como aconteceu
"Entendo: o erro foi meu
Mas já está decidido"

- O meu terceiro pedido
"Não será ele em vão
Vejo que fiz tudo errado
Agora entendo a razão
Mas uma saída eu vejo
Me sobrou um só desejo
Que será minha salvação"

- Uma vez feito o desejo
"Sumirei da tua vida
Nunca verá o cantil
Essa é uma despedida
Pense no que vai pedir
Pois pedindo eu vou sumir
Não há volta, nem saída"

- O que vou pedir, já sei
"Isso aqui já não aguento
Desejo que todo o tempo
Volte àquele momento
Que encontrei o cantil
Seja qual se ninguém viu
O cantil se vá com o vento"

"E tudo o que eu pedi
Considere sem efeito
Não encontrando o cantil
Nenhum pedido foi feito
Eu não encontrei Talia
No fim das contas, meu dia
Foi normal, de todo jeito"

O gênio compreendeu
O pedido do rapaz
E desfez todo o efeito
Voltando um tempo atrás
Mudando toda a história
E Leo perdeu a memória
Disso não se lembra mais

Não deseje ter alguém
Contra a própria vontade
O que desejamos vem
Mas não é certo que agrade
E o desejo no sonhar
Poderá se transformar
Num inferno em realidade

A vida tem sua história
Cabe a nós participar
Os deuses nos dão as cartas
Todos podemos jogar
Pra não gerar confusão
Use as cartas da mão
Não queira trapacear

-- Cárlisson Galdino

Special: 

Um RPG para Megaman

Há 10 anos eu publiquei um sistema de RPG próprio inspirado em Megaman.

Megaman sempre foi uma franquia muito forte de games, com muitos fãs e jogos para vários consoles, especialmente os da Nintendo.

O mundo de Robôs previa quatro castas de robôs humanóides, cada uma com características próprias.

  • Alfa - Robôs construídos pelo Dr. Light. Sempre de titânio;
  • Beta - construídos por governos, com missão de manter a ordem a qualquer custo;
  • Gama - construídos por gangues (?), são totalmente independentes, mas são feitos de materiais estranhos, como alumínio e plástico (??).
  • Delta - construídos por monarquias (!?), seguem um código cavalheiresco. Podem ser feitos de ouro ou outros materiais nobres.

É bem infantil isso tudo, mas eram itnteressantes o conceito e as regras. Por exemplo, os robôs tinham pontos de vida e energia, que era usada no seu funcionamento normal (disparos gastavam mais energia).

Como foi só o começo na época, terminei não criando formas de absorver armas uns dos outros, mas na construção do personagem era possível escolher arma e material de que o robô foi feito (o que influencia na altura máxima do pulo, no fator armadura e na vulnerabilidade a certos tipos de ataque).

Era legal, apesar de simples. Estou publicando aqui o PDF, tirado do fundo do baú, caso alguém se interesse por ele.

Special: 

CyanZine 11.7 - Technomyrmex Pallipes

Quinta edição do CyanZine. Continuando com a fórmula adotada: reunindo artigos interessantes de vários blogs e priorizando o formato ePUB para distribuição. Alguns questionamentos deverão ser feitos em breve a respeito destas decisões, mas deixo para a próxima edição (e última deste ano).

 

Uma mudança sutil já aparece: a personalização dos banners de sessões fixas ou exclusivas. Quem sabe um dia consigamos aumentar o número de sessões exclusivas, não é mesmo? Vamos em frente.

O mundo é um lugar cada vez mais difícil de se viver. A mão pesada das empresas donas do mundo continuam esmagando os que trabalham. Tudo pelos lucros. Protestos pipocam mundo afora. Greves e manifestos populares. É interessante acompanhar, ao menos um pouco, o que aconteceu em Teresina. Mais um protesto descentralizado, viabilizado graças às redes sociais. É a tecnologia mostrando a que veio, mostrando-se uma ferramenta possível, dentre tão poucas que temos, para nos defendermos das injustiças e desmandos dos mais poderosos.

Muitos questionamentos. O CyanZine mais uma vez está inundado de artigos do blog Trezentos. Dentre vários, há um novo blog que está aqui representado é um blog de Videogames, mas com um artigo mais pra se pensar, falando da suspensão de descrença. Enfim, leiam esta modesta seleção do que pude encontrar de interessante nesse último mês. Bom proveito e boa leitura!

Cárlisson Galdino

http://cyanzine.bardo.ws/


 

Foto desta edição: http://www.flickr.com/photos/briweldon/6189557052/

Baixe o CyanZine #4:

CyanZine 11.6 - Technomyrmex Madecassus

Novo CyanZine!

 

Dois meses se passaram e aqui estamos com mais um CyanZine. Nesta edição, o MEC da Ana de Holanda continua voltando à pauta. O Governo parece bastante disposto a abandonar a cartilha que prometeu e implementar a agenda dos derrotados: privatizações, sucateamento do serviço público e, claro, desarticulação dos pequenos artistas e amplo apoio à Indústria do Copyright. Até quando isso vai continuar?

 

No tema da política, temos o cordel Dil Má como poesia desta edição.

Como nas edições anteriores, você encontrará muitos artigos bacanas, para se pensar, e também algo para descontrair. São charges do Vida de Programador e do Vida de Suporte, além do quarto capítulo do romance Marfim Cobra, na Dose de Leitura. Para completar, também falamos um pouco de RPG e jogos em geral.

Sugestões de artigos interessantes (sob licenças livres)? Entrem em contato!

E uma boa leitura!

Cárlisson Galdino
http://bardo.ws/

 

Foto desta edição: http://www.flickr.com/photos/elfiemcgilp/6064617499/

Baixe o CyanZine #3:

Asas Negras

Era uma casa simples no serrado
O Sol batia às cinco na janela
Sai Dun pro novo dia de trabalho
Sai Omora a varrer a casa dela

E ainda dorme Clais, sono profundo
E Hink, seu irmão, no quarto junto
Um menino e uma moça donzela

A Clais despertará em um segundo
E Hink, pra aborrecer todo mundo
É dia e todo dia a vida é aquela

 

Dun, o pai da Clais vive do campo
Cortando lenha como um condenado
Omora, sua mãe, dona de casa
Trabalha ela também outro bocado

E Hink, seu irmão, ainda moleque
É um carro de corrimão sem breque
Brinca com tudo certo e tudo errado

E Clais sonha, antes que a vida seque
Viver e a aflição é o que consegue
E tempo pra viver tendo um bocado

 

Ó que vida! Clais lamenta
Lá no topo da igreja
Quer morrer! A dor aumenta
Pois viver é o que deseja

"Ó que louca!" O povo grita
Lá do chão, olhando a Clais
"Vai pular!" A gente aflita
E ainda vem chegando mais

Ó que vida! A vida é cruel
Numa cidade de interior
O que será? Inferno ou céu?
Poderia ser pior?

Um brinquedo vai ao chão
Lá da esquina, no outro lado
É o Hink, seu irmão
Que a olha paralisado

Aves passeiam no azul
Clais queria ir também
Com asas de uirapuru
Ir bem rápido, ir além

Mas a vida é uma prisão
Com um braço machucado
Está distante do chão
Chora dali do telhado

No mundo sempre foi só
Baixa a cabeça descansa
Fecha os olhos contra o Sol
E vem aquela lembrança

 

- Ó Clais, a vida não é sempre ruim
Ó Clais, amiga, não fique tão triste
Há muita coisa chata por aí
Mas muita coisa boa também existe

- Yendi, não se preocupe comigo
Sei que a vida é boa, mas não consigo
Ver isso mesmo quando a gente insiste

- Ó Clais, só precisa de um ombro amigo
É só uma fase, ouça o que te digo
Verás um mundo bom se ainda não viste

 

- Yendi, sei, não quer me ver sofrer
Mas esse sofrimento é que me ensina
A viver essa vida ruim, viver!
Sei que vou me afogar, e a chuva é fina

- Ó Clais, pára com isso, vou embora
Você é nova e linda, ria agora!
Pois sofrer desse jeito não combina

- Yendi, se quer há rua lá fora
Não estou triste pra estar na moda
Tristeza é minha vida; a dor, a sina

 

"Nem mesmo minha amiga mais amiga
Entende o sofrimento que me mata
Que vá embora então, não a chamei!
Vem porque quer, então vá, sua ingrata!"

"Nem sei dizer donde vem a tristeza
Só sei que contra ela não há defesa
Ela vem e se instala e me maltrata"

"Se a vida é uma lata de surpresa
Trazendo algo de bom, tenho certeza
Que alguém abriu primeiro a minha lata"

 

Ia Clais pelo mundo entristecida
Olhando o rio, o verde, bicho e gente
Buscando uma resposta sem saída
Chorando por saber: ninguém a entende

Nem seus pais, irmão ou quem mais tentasse
Nem sua amiga ou mais ninguém da classe
Ninguém sabe sentir o que Clais sente

Como se um sonho estranho terminasse
O sol que queima forte à sua face
Lhe traz de supetão para o presente

 

A multidão se juntou
Assiste a vida de Clais
Cidade do interior
E um assunto pros jornais

Não há quem suba na igreja
Não há quem estenda a mão
Mas isso ela não deseja
Já sabe como eles são

"Ó vida cruel essa minha"
Pensa, não há esperança
Se é que isso ela tinha
O vento quente a balança

E logo Clais se levanta
Olhando toda essa gente
Sua angústia nunca foi tanta
Olha ao redor novamente

"Será que eu estou louca?"
Diz ao olhar pro seu lado
Ao ver com nitidez pouca
Um jovem anjo alado

- Meu nome é Shad, meu bem
Ele no mesmo telhado
Agachado aos poucos vem
De asas de um branco azulado

Pra Clais falta voz agora
"De onde ele veio? De onde?"
Ele a segura e decola
Levando Clais para longe

 

Nos braços desse anjo voa Clais
"Que lindo anjo os céus me têm mandado!"
Muito além de onde estavam ele vai
Até o porão de um lar abandonado

E o que agora restou pra essa moça?
Não há palavras mais, ou choro ou força
Só o delírio de ao céu ter chegado

E como o sonho de uma jovem louca
O anjo lhe abraça e busca a boca
Distantes do mundo civilizado

 

E a dor se torna em êxtase no beijo
E os olhos fecham, escondem novo brilho
E a tristeza se transforma em desejo
Desejo de ser dele e possuí-lo

No seu pescoço, a dor e ela deseja
São dentes que lhe cortam sem que veja
Língua, dentes e o que faz sentido?

E a força, que era pouca, já lhe deixa
Dormência e paz, mas a Clais não se queixa
E fecha os olhos pra jamais abrí-los

 

-- Cárlisson Galdino

Special: 

CyanZine 11.5 - Technomyrmex Kraepelini

Terceira edição do CyanZine!

Chegamos à terceira edição do CyanZine, uma proposta diferente que coleta textos sob licenças livres e os agrupa em uma publicação. Complementarmente, distribuí-do no formato ePub e, alternativamente, TXT e PDF, além dos próprios fontes em ODF. Ou seja, se quiser criar algo parecido, você tem acesso aos fontes! (tudo bem que o leiaute é simplista).

A maior novidade do Technomyrmex Kraepelini não está no CyanZine, mas no CyanCD, que agora é CyanPack! Algumas páginas à frente a gente fala sobre isso... No CyanZine, além de artigos meus, do Trezentos (o que seria do CyanZine sem ele?) e do Saindo da Matrix, esta edição traz artigos de Aurélio.Net, Monte Gasppa, Infowester e HomemBit.

Voltando aos formatos, a partir desta edição a distribuição em texto plano do CyanZine vai trazer também as edições anteriores. O TXT vai ser um compactado agrupando todas as edições já publicadas em TXT.

O mundo digital está forte nesta edição. O Cordel Digital anuncia a mudança dos tempos, enquanto o Jomar tem um ótimo artigo, que eu não tinha como ter deixado de publicar aqui. Vale muito a pena ler Software Livre não nasce em árvores: Do colonialismo ao extrativismo digital.

Quem tiver artigos legais (ou encontrar artigos legais) sob licença CC-By-NC-SA, me avisa!

Foto: Fishing Harriman State Park, por ScubaBear68. http://www.flickr.com/photos/22310955@N02/5864728031/

Baixe o CyanZine #2:

Cordel Digital

Finalmente, o Cordel Digital. E você? Já está participando da Promoção Cordel Digital?

Meus amigos, com licença
Vou falar da realidade
Desses dias de hoje em dia
Do que fez a humanidade
Desbravando com bravura
A mata da Literatura
Veja quanta novidade

Houve um tempo muito antigo
Que poeta tinha ideia
De escrever histórias longas
Fosse o leão da Nemeia
Odisseu e suas dores
Ou grandes navegadores
Era a tal da epopeia

Elas eram poesias
Enormes de se cantar
Descrevendo uma história
Que tentavam registrar
Era, eu sei o que digo,
Um costume mais antigo
Que se possa imaginar

Foi assim com o Homero
Que dos deuses recebeu
Dom sublime lá na Grécia
E desse jeito escreveu
Versos que são ouro e joia
Narrando a Guerra de Troia
E a jornada de Odisseu

Depois, entre os portugueses
Como em outras nações
Ressurgiu num certo dia
Outro poeta dos bons
Feito pra narrar o drama
No mar, de Vasco da Gama
Era Luis Vas de Camões

Desse modo, todo povo
Viu poeta inteligente
Talentoso e inspirado
Falando pra toda gente
Grandes fatos dos que viu
E assim, cá no Brasil
Não ia ser diferente

No Brasil, esse trabalho
Coerente e genial
De romancear em versos
Tem lugar especial
No Nordeste da nação
Vivo em uma tradição
Trazida de Portugal

Falando muitas verdades
Contra rei e coronel
Ou fazendo o povo rir
Só de pegar no papel
Há livros que são achados
Em um cordão pendurados
Levam nome de cordel

São livretos bem pequenos
Mas grandes em seu talento
Trazendo pra nós notícias
Ou um bom divertimento
Pequenos com poesia
Pendurados, quem diria?
Em feiras, no movimento

Tem mulher que virou bicho
Tem medroso e assombração
Tem disputa de viola,
De goela e munição
Tem relato corajoso
Do inferno endoidando todo
Quando chegou Lampião

Você encontra pelas feiras
Do Nordeste brasileiro
Sempre muitas opções
Versos narram por inteiro
Dramas e atualidades
Com mentiras ou verdades
Sempre por pouco dinheiro

Hoje já não há mais tanto
Mas antigamente havia
Pra vender esses cordeis
Que são pura poesia
Artista com emoção
E uma viola na mão
Narravam em cantoria

Mas o tempo foi passando
Tudo passa nessa vida
E essa tradição da gente
Tão antiga e tão bonita
Com as gerações mudando
Pouco a pouco foi minguando
Hoje está quase esquecida

Hoje há poucos cantadores
Pelas feiras do Nordeste
Há poucos cordéis à venda
A cultura poucos veste
Mas buscando, é forçoso
Achar um ou outro teimoso
Que na tradição investe

Hoje se acha por aí
Os clássicos do cordel
E uns que por muitos anos
Escondidos num papel
Criaram força de repente
Resolveram finalmente
Mostrar a cara pro céu

E hoje a gente olha pro mundo
O mundo está tão mudado
Todos vivem na canseira
Se matando por trocados
Numa correria louca
E a leitura, que era pouca
Foi ficando mais de lado

Com TV, rádio, Internet
Videogame, academia
Celular, computador
GPS, foi-se o dia
De moleza na calçada
E nessa vida estressada
Quem tem tempo pra poesia?

Em tudo botou o dedo
Essa Tecnologia
Disco já virou CD
PC encolheu, quem diria?
Aumentando a qualidade
E hoje já é realidade
O que o cinema previa

Hoje todos têm acesso
Ao que só teria o rei
Todos têm cartão de crédito
Celular, pelo que eu sei
Cada um tem três o quatro
Tevezona virou quadro
Filme se tornou blue-ray

E tudo foi progredindo
Como era o natural
E foram desencarnando
Do mundo material
Nessa evolução danada
Tão espiritualizada!
Tudo agora é digital

Ninguém precisa de disco
Pra música simplesmente
Converte pra MP3.
Jogo ou video facilmente
É só ter dispositivo
Player ou PC. E com livro?
Por que seria diferente?

Amazon entrou na dança
Lançando o tal do Kindle
Depois a Apple com o iPad
Que tanta gente acha lindo
Sony, Samsung e outras mais
Têm produtos quase iguais
E muitos outros vem vindo

São notebooks pequenos
Por tablets conhecidos
Pra navegar na Internet
Ver uns videos divertidos
Ver e-mail e conversar
Agendar e calcular
E também para ler livros

Ou são, mesmo parecidos,
Aparelhos diferentes
Feitos só para ler livros
Com uma tela inteligente
Para ler poesia ou crônica
A tal da tinta eletrônica
Pra ser bom de ler pra gente

Pois, amigos, desse jeito
O livro, que era papel
Hoje está só na memória
De um aparelho "do céu"
Tanto livro e saber
Vai num cartão SD
Que a gente fica pinel

E se hoje já há dicionário
Romance, HQ, mangá
Coletânea, manual
De quase tudo já há
Se tem lugar pra poesia
Revista, jornal e guia
O cordel não tem lugar?

O cordel tem que viver
É um marco dessa gente
Tem o seu lugar cativo
No coração do vivente
Do Nordeste brasileiro
E assim do Brasil inteiro
Talvez nem dele somente

Poesia gigantesca
É algo internacional
Se aqui temos cordel
Noutros cantos, tem igual
Cada povo, com efeito
Faz, na sua língua, seu jeito
Essa tradição legal

E se hoje todos falam
Da tal globalização
Por que não vir o cordel
Dar sua parte da lição?
Sair da feira do agreste
Para entrar na Internet
Qual no céu foi Lampião?

É por isso, meus amigos
- E não estranhem o fato -
Que o cordel tem o direito
De ter a turbina a jato
Que essa tecnologia
Oferece e a poesia
Cabe num livro abstrato

Hoje, nesses novos tempos
Que mudam nosso normal
Quando a vida é correria
E o consumo é sem igual
Tudo aos poucos é mudado
Que fique aqui registrado
O Cordel é Digital

E se a mudança não para
E se tudo se mistura
Pra estar no mundo global
Preservando a cultura
Quem sabe se alguém não cria
Disk-cachaça, e um dia
Download de rapadura?

Nessa era tão moderna
Marcada, pelo que sei,
Pelo compartilhamento
Que todos podem ser reis
Que a Arte humana tanto cresce
Quando será que aparece
Um repentista DJ?

E assim, meu caro amigo
É chegado o momento
De partir, já me vou indo
Grato pelo acolhimento
Até um outro cordel!
Boa sorte pra quem leu
E bons compartilhamentos!

-- Cárlisson Galdino

Special: 

CyanZine 11.4 - Technomyrmex Jocosus

Lançada a segunda edição do CyanZine. Agora fornecendo também em formato texto plano.
 
Bem-vindos à segunda edição do CyanZine. Como vocês devem notar, a quantidade de artigos caiu um pouco, afinal eu coleto artigos para montar a linha editorial da revista e é diferente se coletar artigos em apenas um mês.
 
O tema recorrente de Ana de Hollanda e MinC é, provavelmente, o que mais chama atenção. A história continua. A situação não é boa para a sociedade. Não enquanto o Ministério da Cultura, que é um órgão que deveria atender a interesses da sociedade, se curva totalmente a grandes corporações, revertendo avanços e querendo impor sua vontade, mesmo que isso tenha um preço muito alto para todos nós.
 
A outra tag desta edição é o 1º de abril. Este ano tivemos alguns artigos interessantes por aí. O Google mesmo, brincou bastante. Eles anunciaram o Earkut, um brinco que esquentaria a orelha do indivíduo sempre que alguém estivesse visitando seu perfil no Orkut; o Gmail utilizado por gestos, dentre outras coisas interessantes.
 
Este ano, fiz mais uma mentira de primeiro de abril. Esta foi sobre um suposto projeto da Canonical para concorrer com o Android: o Humanoid. Sinceramente, a ideia é boa e eu utilizaria, eu acho. As coisas caminham sob neblina no Software Livre por esses dias. Desde que o Gnome 3 saiu e grandes distribuições anunciam rejeição ao Gnome-Shell. A esta altura, o Ubuntu já deve ter sido lançado e espero que na próxima edição tenhamos uma posição mais definida no cenário dos desktops.
 
Esta edição traz algumas charges do blog Vida de Programador, inclusive uma de primeiro de abril.
 
Vamos em frente com os projetos. Espero que apreciem também esta edição, que agora está sendo distribuída também em formato de texto plano (já dá pra ler em celulares mais simples e MP4 players). Qualquer coisa, é só entrar em contato.
 
Um grande abraço!
 
A foto desta edição foi tirada no dia 25 de outubro de 2008 por Phil Photostream em Lisboa, Portugal. http://www.flickr.com/photos/iphil_photos/4407620244/
 
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