prólogo

O Monstro da Igreja

Cidade de Jetitotú. Uma cidade comum, com sua praça, sua igreja ao deus Kualkèr e sua taverna. Claro, e seus moradores. Pessoas sofridas que vivem sua vida do campo, plantando e colhendo. Pessoas que têm que se esforçar para viverem cada dia e, como se não bastassem as dificuldades, ainda tem que lidar dia a dia com um monstro.

Mas a aflição tem seus dias contados, pois pela estrada vem o bravo guerreiro Pruph com seu cachorro Oko.

Ele não entra pela entrada principal da pequena cidade, mas logo vem ele pela entrada que passa perto da prefeitura. Com seu machado nas costas e sua cara de mal ele não para até chegar à praça.

Pelo caminho já ouve o que anuncia o seu destino exato.

As pessoas reclamam.

- Quando é que ele vai embora?

- É verdade que ele matou o Eguelú pra ficar no seu lugar?

- Ninguém sabe! Ninguém sabe! É mesmo uma criatura horrenda!

Pruph infla o peito e grita:

- Onde está o monstro?!

Todos apontam para o seu destino: a igreja.

- Oko?

Mas o pobre cão apenas se senta e começa a coçar a orelha.

- Oko!?

O animal não reage.

- Oko!

Girando a cabeça lentamente na direção de Pruph, o cachorro começa a rosnar. Logo se deita.

- Oko!

Pruph bota seu machado dentro da mochila (é, ele é maleável) e caminha até o pobre dorminhoco animal. Então o levanta do chão e o joga também dentro da mochila, comentando com desprezo a situação.

- Oko! Onde está o monstro!

Com satisfação o herói caminha em direção à tal da igreja para dar cabo do sujeito maligno que assusta a cidade. Sim, é a ingrata tarefa dos heróis lidar com essas bestas estranhas e ele não teme.

À porta do templo ele para e pega novamente o machado. Em um golpe, estilhaços da porta se espalham e a luz ilumina o lugar.

- Quem está aí?

- Eu sou Pruph, matador de monstros!

- Mais outro... Bem, temos que lidar com isso, não é mesmo? Pelo menos você sabe falar!

Há cinco fileiras de bancos e, lá na frente, o monstro terrível espera. Uma múmia azul.

- É uma vida muito ingrata essa de monstro. Não temos nem com quem conversar. De onde você vem?

- Onde está o monstro!

- Tudo que é bom dura pouco mesmo... Devia ter imaginado que não sabe falar mais nada. Humanos são deprimentes. Heróis são mais ainda.

- Eu sou Pruph, matador de monstros!

- Tá, e a mocinha sabe falar mais alguma coisa?

Pruph para por instante, então joga a mochila no chão para fazer deslizar seu conteúdo, incluindo seu querido animal, que gira no chão como uma trouxa de pano.

- Oko!

O cachorro levanta a cabeça, olha ao redor e arqueia uma das sobrancelhas com desdém. Logo volta a dormir.

- O que você quer aqui? Me derrotar? Criatura estúpida! Nunca vai conseguir me vencer! Eu sou superior!

- Eu sou Pruph, matador de monstros!

Tomado de fúria, Pruph corre em direção ao maligno, cravando o machado no pé enfaixado azul. Só então ele percebe algo novo. O monstro é enorme! Tem mais de dois metros de altura, apesar de ser uma múmia (e apesar de ser azul).

O monstro abre a boca, mostrando seus dentes (que não são azuis, naquele tempo ainda não havia essas tecnologias todas).

- Você! Você é mais forte do que eu pensei que fosse! Mas não vai me derrotar, como eu já disse!

Com grande violência, a múmia ergue seu braço e desce velozmente contra Pruph. O pobre herói vê aquele golpe inevitável prestes a acontecer e faz a única coisa que poderia nessa situação.

- Arghhh! Você me mordeu!? - Horrorizado, o monstro recolhe a mão, olhando para Pruph ofegante. - Você me mordeu, criatura estúpida! Você! Você é um herói! Quem devia morder era ele!

Oko abre os olhos, ainda deitado à porta da igreja, olha um pouco a cena e volta a dormir. Pruph sorri malicioso diante do comentário. Pena que esse sorriso não consegue protegê-lo de um belo chute da múmia, que faz com que ele voe alguns bancos depois.

- Eu sou superior! Já disse! Não acredito que você me mordeu! Droga! Olha só pra isso!

Ele caminha até o altar, mancando com o pé machucado e com a os esparadrapos azuis da mão se soltando.

Pega um frasco vermelho pequeno que estava ali na mesinha e o toma. A mão se cura e os esparadrapos se fecham misteriosamente, deixando a mão totalmente ilesa e sadia.

Então ele se volta para Pruph e o vê ainda jogado, tentando se levantar.

- Agora tenho que dar um jeito em você, criatura estúpida! Não saia daí.

Antes que consiga se aproximar, porém, Pruph já está de pé heroicamente. Pronto para cumprir com sua nobre missão de eliminar essas criaturas monstruosas. Em especial, essa criatura monstruosa azul.

- Eu sou Pruph, o matador de monstros!

- Tá, tá, você já disse isso, criatura estúpida! Você acha mesmo que vai conseguir me derrotar?

Num grito bárbaro de “Okoooooooo!” Pruph salta novamente com seu machado. O monstro arregala os olhos e tenta pôr as mãos na frente para defender o golpe, mas o golpe ainda assim o acerta em cheio.

Instintivamente, o monstro vira as costas e olha a mesinha no altar. Não há mais outro frasco como aquele de antes. Ele olha novamente Pruph, que vinha atacando de novo. O machado acerta o chão e o monstro encara novamente a mesinha. E o Pruph. E a mesinha. E o Pruph. Ele simplesmente não sabe mais o que fazer.

- Para! Por que você quer me matar, criatura estúpida!? Eu sou um ser soberano, sou um nobre descendente da dinastia dos Monstros-Múmia Azulânticos e nada fiz contra você, apenas estou aqui na minha cidade, na minha casa e...

O machado cai em sua cabeça, dividindo-a em duas e o derrubando no chão. O fluido azul de seu sangue se espalha rapidamente por ali. Após um brilho em Pruph e Oko, Pruph tira o machado e encara o monstro derrotado. E antes de ir embora dali ,ele ainda, com aquele mesmo olhar malicioso de antes, fala:

- Criatura estúpida!

Special: 

Um Herói Paulistano

Nove horas da manhã, segunda-feira. Ele sai de casa como todo dia, de terno e com uma pasta. Em sua cabeça, os problemas de contabilidade da empresa onde atua. Contas que não batem. E como se não bastassem todos esses problemas, ainda tem a sua esposa: os dois tem brigado muito ultimamente. Seus pais, que são do interior, exigiram que ele fosse para as festas de comemoração aos trinta anos de casados, e justo nesse dia há uma apresentação importante na empresa, e o chefe exigiu a presença de todos.

Com tanta coisa na cabeça, como Fred prestaria atenção ao seu redor? É claro que não notou o moleque se aproximando como quem não quer nada.

- Ei! Ladrão!

Grita, mas para quem? O moleque corre com a pasta, levando os papéis e o notebook, antes de Fred chegar ao carro. Fred bota a mão na cabeça. Tão distraído que não viu a aproximação do moleque. Nem viu que o ar estava mais puro por ali, a paisagem não estava tão cinza.

O delinquente mirim vira a esquina, olhando para os lados desconfiado, quando bate na parede e cai.

Parede? Ele se levanta assustado e pega a pasta novamente. Olha para a frente e não há parede alguma. “Tenho que pegar leve com a cola, véi” Ele corre de novo e bate mais uma vez na parede invisível.

Atordoado, ele se levanta devagar e olha para trás. Tudo que vê são as pessoas ao seu redor paradas, olhando para cima. Olha para cima...

- Tufão...

Tufão vem descendo suavemente no ar, com aquela roupa azul brilhante. Um azul tão bonito e forte, é como se até o Sol brilhasse com mais gosto para ele. A visão dura pouco, pois logo em seguida ele leva um soco de um punho invisível. Tufão aterrisa. A pasta vem voando até sua mão e ele caminha, dobrando a esquina.

Fred já vinha, com expressão assustada ao ver a reação das pessoas por ali. Tufão lhe entrega a pasta.

- Espero que ele não tenha quebrado nada.

Fred recebe a resposta e não tem palavras para agradecer. Tufão se vira de volta, sempre com aquele ar imponente e com um sorriso discreto no rosto. Um sorriso de quem faz o que gosta de fazer. Dá alguns passos apressados até a esquina e olha o corpo do jovem delinquente caído.

- Bom, pessoal! O show terminou! Tenho que ir entregar uma encomenda na Febem. Tenham um bom dia, cidadãos!

Um pequeno tufão se forma em volta do corpo do jovem por uns instantes e logo que ele se encontra a alguns centímetros do chão, o pequeno ciclone some. Tufão sobe pelos ares e o corpo do jovem sobe junto. Os dois logo somem de vista.

Pouco a pouco a cidade vai voltando ao normal. Inclusive a poluição reaparece aos poucos. Aquela velha poluição que quase se pode pegar, a velha marca da cidade que é uma das maiores do mundo.

Fred vai para o trabalho como um robô, ainda sem saber como reagir a tudo o que aconteceu. A multidão se desfaz aos poucos e só se ouve comentários do tipo “você viu o que ele fez?” “É bom a cidade estar protegida!”

Todos espantados seguem no seu dia a dia de sempre. Não tem como não manter um pouco de sorriso no rosto. Eles vão naquela sensação de que estão em uma cidade ao menos um pouco mais segura...

Special: 

Mochileiros BlackRook

Era uma criação de gado, ou é o que queriam que parecesse. Aqueles pobres animais esqueléticos fingindo serem bois e vacas, vai saber o que eram... Do lado de fora daquela cerca, o asfalto evaporava como uma chaleira. Não dá pra ver a paisagem com nitidez, ela é borrada pelo vapor do asfalto. Na beira da estrada, uma figura desengonçada espera. Um sujeito vestindo umas roupas coloridas. Uma bermuda folgada de praia e uma camisa folgada de deuses hindus. Uma faixa amarela trançada como uma corda prendendo os cabelos na altura da testa. Cabelos nem tão curtos, nem tão longos. Nariz quadrado e um olhar cansado sob óculos redondos. Nas costas, uma mochila cinza com uma plaqueta de alumínio mostrando uma ave em silhueta, rodeada pelas palavras Black e Rook.

O sujeito hippie abre o cantil e toma mais um gole. O Sol não está nada gentil hoje e quase ninguém passa por aqui.

Mais um ônibus... Mais um ônibus que passa louco pela pista. Se não desse carona, até não era tão mal. Como os anteriores, além de não dar carona, ainda entrou um pouco no acostamento bosinando alto. Gyalog odeia isso... E tem culpa? Quem gosta de ser tangido volta e meia por um ônibus ou caminhão?

Um sorriso em seu rosto. Sim, é mesmo o que ele está pensando que é! Ele reconheceria aquele motor em qualquer lugar!

O triciclo se aproxima, diminui a velocidade e para, bem do lado dele.

-- Simbora! - Ela grita, lhe entregando o capacete.

Uma gótica. Uma gótica bonitinha, de capacete vermelho. Vai entender... Uma menina toda vestida de preto, numa moto do mal, com um capacete vermelho. Qualquer semelhança com algumas espécies de formigas há de ser mera coincidência...

Seu nome é Finna. É, ela é magrinha, mas não como a característica mais marcante nela. Alguns se lembrariam dela por ser bonitinha, doce e endiabrada, outros por ser gótica e ouvir música pesada, outros por ser doidinha mesmo, agitada. A maioria se lembraria pelo capacete.

Tem vinte e dois anos, e uma bolsa à tiracolo. Na bolsa, pode-se ver plaqueta igual. É a mesma marca "Black Rook". Gyalog sobe e ela parte.

-- E aí? Esperando há muito tempo?

-- O que você acha?

-- Sei lá, meu? Então deixa pra lá! Se você, que estava esperando, não sabe quanto tempo foi, imagina eu que tava vindo. Pô, o tempo é relativo! Tamos indo viajar!

-- A gente não ia só amanhã?

-- Não, é que o Sólitas vai hoje e a gente vai de carona, claro! Não podemos desperdiçar essa chance!

-- Tá...

-- Ei, você vai gostar da viagem! Já estive nessas terras antes! É divertido! E no fim das contas, todo canto é igual!

-- Você já... Esteve na Europa?

-- Claro que já, meu bem! Fui três vezes. Tudo de carona. Ver o show da MDB e do Orphaned Land! Da outra, foi só de onda mesmo.

-- Quem?

-- My Dying Bride! Depois copio pra você! É muito foda!

-- Tá... Por que você não gosta... de coisa mais normal?

-- Tipo Ventania? Hahahah!

-- Quem disse que eu gosto de Ventania?

-- Ah, mas tem cara de que gosta, olha só pra você! Podia até tocar com eles, se soubesse algum instrumento.

-- ...

-- Que foi? Magoou, bem?

-- Não... Tava pensando... A gente podia aprender a tocar algum instrumento...

-- Ah, nem vem! Já tenho coisa demais que aprender! A gente tá em guerra, você sabe!

-- Sei, os Whi...

-- Quieto!!!! Não diga o nome deles! Você sabe que ninguém fala o nome deles! Aqueles vendidos FDP!

-- Sei...

-- Já estudou o capítulo básico?

-- Ainda estou me adaptando...

-- É, o Infinity Book é um choque no começo, mas depois você não vai querer saber de outro livro!

-- Ei, Finna... Essa moto é sua?

-- Bom, é e não é...

-- Como assim?

-- Já leu o capítulo sobre os Overdisks?

-- Só por alto...

-- Pois é isso! A moto é minha sim, mas está sobrepondo outra coisa.

Special: 

Continentes Irmãos

Continentes Irmãos

Bill Neir, ou Neir X era um tirano e isso é fato. Sua fama é antiga. Não há oposição aberta, só revoltosos, geralmente bandidos e aventureiros. Poucos dos que se expoem sobrevivem.

Bill nada teme a não ser o que não conhece. Há dois dragões em seu território, mas eles não costumam se envolver em assuntos políticos. Claro que Bill os teme, mas ainda espera um momento mais seguro para destruí-los, afinal, teria que derrotar os dois ao mesmo tempo e, puxa, são dragões!

A bandeira verde com um triângulo azul é a única que flamula nessas terras. É a bandeira de Klavor, o reinado que há séculos derrotou as outras duas nações que havia. E hoje todo o continente é chamado de Klavorini.

Duas outras bandeiras já flamularam nessas terras há séculos. Uma delas era a bandeira amarela do reino de Byuzk, outra a bandeira cinza de Jex. A investida foi brutal e os dois reinos cairam como castelos de areia diante das águas do mar.

Foram séculos de controle a mão de ferro. Exploração de minas para a fabricação de armas e exploração de riquezas. O exército de Klavor é temido, especialmente dada a arrogância dos reis que já teve, inclusive do atual.

Neir III foi o rei que planejou se lançar ao mar, em busca de mais terras a dominar. Não encontrou nada além de mar, um mar que suas embarcações não tinham capacidade de dobrar, então desistiu. E desde então o mar é um obstáculo insuperável.

Neir III foi muito feliz ao acreditar que haveria outras terras a dominar, mas ele cometeu um erro: o de não procurar com muito afinco, em todas as direções. Há pouco mais de 200 anos, um sábio filósofo chamado Iodyef descobriu diversas coisas por acidente. Uma é que havia uma força além dos deuses, capaz de ser utilizada para subjugar a natureza à sua própria vontade: a magia. Outra é que havia um selo mágico que impedia que a magia alcançasse aquela terra. Um selo já gasto e que não era difícil de ser removido. Iodyef o removeu e não revelou a ninguém mais. Em um laboratório subterrâneo na cidade de Wiafa, pesquisou bastante sobre as verdades da Vida e sobre magia. Descobriu que Klavorini não era o único lugar no mundo: havia ao menos mais um, bastante parecido quanto a costumes, mas muito diferente em geografia, um lugar que ele chamou de Klavorini Norte.

Bill Neir em seu castelo em Wax Wephlie nunca soube do selo e nada mais teme. O que alguns rebeldes podem fazer contra seu imenso poder? Cada ano, dezenas são mortos das formas mais terríveis que ele encontrou e faz muito tempo que Klavorini não vê outra bandeira a não ser a sua.

Mas uma outra bandeira se aproxima. Vermelha e chumbo-arrocheado, em alto-mar, no alto de vários navios, um mar de navios. Dentro de cada um deles, marinheiros e mercenários. Todos sob comando de um só homem: Kokond.

Na praia, os poucos rebeldes que havia em Klavor se articulam silenciosamente, esperando os reforços chegarem. O sonho de um grande golpe está próximo. Jyus, jovem corajoso e líder de uma sociedade secreta, descendente bastante impuro dos antigos reis de Jex, aguarda os navios.

Um acordo bastante simples: os estrangeiros trazem em seus navios um poder bélico inimaginável, capaz de derrubar Neir. Além de soldados, há magos, tipo totalmente desconhecido em Klavorini Sul. Em troca, os rebeldes ajudam de volta. Com o tempo, klavorenses aprenderão a usar magia, em troca de um fornecimento de armas de rara qualidade, especialmente machados e martelos de combate. Uma mão lava outra.

Os navios já estão bem próximos da costa neste amanhecer. Um homem de bigode fino em traje militar sorri ao tentar contar quantas pessoas os esperam na terra firme. Seus olhos brilham ao gritar para os seus homens. Ele que era e ainda é capitão da marinha apesar de tantas mudanças. Que já ajudou em um golpe recente e agora parte em continuidade da missão, com seus homens sob seu comando. Um homem chamado Kokond Raxx.

O Fugitivo

Coração Russo, 2018. 23:09. Um jovem careca passa correndo pelas ruas.

No sofá, uma mulher jovem descansa. De cabelos curtos e ruivos, acordada e ainda atenta à conversa dos quatro, que jogam baralho e bebem à mesa.

- Maria? Ainda está acordada? - a única mulher na mesa a chama. De cabelo castanho escuro preso, com um sobretudo, de óculos com armação grossa, contrastando com os traços delicados do seu rosto.

- Oi, Chris... Estou acordada.

- E aí? Quando vai estrear a peça nova?

- Ah, Chris, sei não... Ainda estamos definindo alguns pontos e passando as falas.

- Vai ser sobre o quê?

- Uma tragi-comédia inspirada no Fantasma da Ópera.

- Legal! E seu papel?

- Posso falar não mais que isso.

- Ué, somos amigas! Conta!

- Deixa a Maria, Christinne... Não se pode nem descansar em paz? - O mais velho à mesa é quem fala. Um homem de rosto quadrado e ar bondoso, com alguns cabelos grisalhos e óculos redondos. - Não é porque você é da imprensa que pode ficar assim pegando no pé do povo, né?

- Não seja por isso, Ivan! - Quem fala é um homem de terno surrado, com poucos cabelos, apesar de parecer jovem. - Eu também sou jornalista e não fico no pé das suas visitas.

- Pois dê conselho à sua colega, Aleksandr!

- Só estou curiosa! - Chris responde. - Não posso? Olha, Maria, quando forem estrear me avise! Que eu escrevo na minha coluna e vou lá assistir você, tá?

- Valeu... - Maria responde, fazendo um sinal de Ok sem nem abrir os olhos.

- Vamos jogar? É a sua vez! - O outro da mesa reclama de Chris. Um homem de cavanhaque, vestindo só uma camisa de manga curta. O único na casa vestido desse jeito nessa noito fria.

- Calma, Konstantin! Vou jogar! - Chris responde. - Pronto! Ai!

- Desastrada! - Aleksandr afasta as cartas da mesa, onde Chris acabou de derramar bebida.

- Onde tem um pano?

- Lá atrás no varal. - Ivan responde.

Chris se levanta e corre até a porta do quintal. Vai até o varal e... grita!

- O que houve?! - Konstantin chega primeiro à porta, seguido por Ivan e Aleksandr.

Eles veem Chris apontando para um jovem encostado na parede, de cabeça baixa.

- O que você... - Konstantin fala com raiva, mas Ivan intervém e se aproxima do jovem.

Maria chega à porta esfregando os olhos.

- O que houve aqui?

- Você está bem? - Ivan pergunta, com as costas da mão direita no pescoço do jovem.

- Médicos... E se for um bandido?

- Você devia ser mais humano, Konstantin. - É Maria quem repreende, enquanto se aproxima deles.

Quando o jovem levanta o rosto em lágrimas todos se assustam. O rosto dele é o mesmo do exército de clones que patrulham a cidade noite e dia. Os clones telecinéticos tão respeitados. Seu rosto é a marca da Força Russa.

Special: 

Asas de Libélula

"A vida não tem mais sentido. Não que um dia tivesse, mas... Por que eu sobrevivi?!"

Num despenhadeiro, no alto e no frio, uma menina lamenta a sorte. É Arielli, sentada à beira do precipício. Braços e pernas machucados e olhos ressecados de tanto chorar. Sua figura de dezoito anos com jeito de quem ainda tem menos de dez, de roupas tão maltratadas quanto ela própria, é a única coisa que se vê por quilômetros nesse entardecer.

Sua família fazia turismo. Seu ônibus simplesmente caiu e se prendeu em algum lugar. Muitos feridos, poucos mortos. Mas o tempo tratou de levar pessoas do primeiro para o segundo grupo. Todos foram deixando este mundo. Todos menos Arielli.

Seus pais, seus amigos, seus sonhos... Tudo acabou e Arielli está sozinha, sentada à beira do abismo.

"Por quê, droga! Estou aqui há dias e não passa ninguém! E eu não morro!"

É claro que a Fome vem, mas mesmo ela desistiu de dar muita atenção a Arielli. A essa altura, apenas passa vez por outra como quem não quer nada, apenas para lembrar que ela ainda existe.

Há dias Arielli está aqui. Seu rosto não nega. Tão alto, tão só, tão triste... Sábios foram os deuses, que não lhe deram lágrimas suficientes para sua dor. Fosse assim, talvez Arielli precisasse subir ainda mais a montanha para não se afogar nelas.

E pensar que tudo o que Arielli um dia quis foi uma casa bonita, um marido carinhoso e filhos. Sonhava ter dois: um menino e uma menina. O menino se chamaria Odeon e a menina, Artemis.

Claro, Arielli também sonhava com coisas mais imediatas. Um colar de ouro, um vestido verde-claro e prateado, um sapato prateado com salto e mais algumas coisas, todas do shopping perto de sua casa. Quer dizer, da casa de seus pais... Seus pais...

Mas de que vale sonhar agora? Tudo acabou para Arielli. Já fazem alguns dias que ela se deu conta de que seus sonhos também morreram de fome no ônibus. Só Arielli não morre.

Suas duas metades discutiram muito esses dias. Ari dizia que nada mais faz sentido. Elli questionava porque sobrevivera, que alguma razão haveria de ter. E assim, enquanto as duas metades discutiam, Arielli foi subindo e subindo a montanha. Hoje até Elli se calou sem muitas esperanças de um futuro. Ari sabe que venceu e espera só o momento.

O céu vermelho, em despedida ao Sol. Quantas vezes Arielli viu esse céu assim depois desse triste acidente?

Que esta seja a última: Arielli se levanta.

- Mãe, pai...

De pé, à beira do precipício, "estou indo ver vocês" é tudo o que diria logo antes de pular, mas não pulou.

Diante de Arielli, uma mulher voando. Uma mulher, um anjo, uma fada ou algo assim. De rosto sério, mas de olhar compreensivo. Com cabelos brancos e longos. Não brancos de idade, já que ela parecia tão jovem quanto Arielli. Uma mulher sustentada por asas. Asas de libélula. E ela não tinha pupilas em seus olhos brancos.

Quanta coisa passa na cabeça de Arielli, de pé à beira do precipício, a dois metros dessa estranha? Esse estranho anjo-fada que lhe encara com um ar frio, mas que não esconde uma certa bondade. A expressão de Arielli congelada num espanto inocente não diz tudo o que lhe passa nessa hora. Seria um anjo? Uma fada? Uma miragem? E o que está fazendo ali diante dela? O que lhe traz? O que lhe pede?

Impacientes com a espera, para o espanto de Arielli e da estranha, suas pernas fraquejam e Arielli se inclina para a frente. Agitando os braços, vê a boca da estranha se entreabrir em surpresa. E Arielli cai. Cai...

Arielli vê o chão lá longe enquanto seu corpo gira em queda. Vê a estranha lá em cima no mesmo lugar e... Cai sentada em algo macio. Deita-se para recuperar as forças, e dorme.

- Arielli?

"Quê?! Que voz linda! Será um príncipe encantado?"

- Sou apenas um amigo, Arielli.

As lembranças vêm menos fortes. O vento bate em seu corpo deitado. Deitado com as pernas penduradas. Um barulho de ventilador...

- Está frio. Desliga o ventilador!

- Do que está falando, Arielli?

Arielli finalmente abre os olhos e se senta.

- Estamos voando.

Adiante, uma Lua imensa e divina. E Arielli, ainda mais alto que antes, segue nas costas de uma libélula gigante.

- Quem é você?

- Como eu disse, Arielli, um amigo. Você não está destinada à tristeza. Vim te mostrar o mundo. Vamos perseguir alguns sonhos?

E Arielli some no horizonte em direção à Lua nas costas de uma grande libélula verde-clara de asas e olhos prateados, enquanto à mesma Lua, próximo àquele velho penhasco, aquela estranha mulher dança flutuando no ar, a um som ritmado de palmas e batidas de asas. Dança como se fosse a dona da noite, como uma deusa em um dia de bom humor. Com um sorriso leve em seu rosto frio. Dança como uma deusa feliz.

Special: 

A História de Cristina Braga

Era seu aniversário de 15 anos e, ao sair do shopping, ganhara de um velho estranho uma estranha pedra presa em um cordão, pouco antes de o sujeito desaparecer...

Uma pedra... Seu sonho era uma moto. Uma moto como as de seus amigos, com quem gostava de sair de vez em quando.

A ida ao shopping havia sido uma fuga. Nunca imaginou que ganharia... uma pedra. O dia ia ser longo no salão de beleza. Ela odiava isso tudo. Aquela velha sensação de que estava perdendo a juventude e que devia sair pelo mundo conhecendo lugares e pessoas ficava ainda mais forte no salão de beleza.

Era uma pedra, com formato de pedra, a sua pedra. Não era polida. Mas um lugar nela tinha a forma de amarrar um cordão preto.

Independente de shopping ou pedra, Cris não conseguira escapar do salão de beleza... A reserva havia sido feita logo cedo por sua mãe. Ao fim, todos diriam ter valido a pena a demora. Todos menos ela.

Enfim, chega em casa acompanhada de sua mãe Susana.

- Mão!? Que que é isso?!

- Sua roupa para hoje

- Eu vou usar isso?!

- É... espero.

- Quem teve essa brilhante idéia?

- Pensei que quisesse algo diferente... Optei por um modelo mais... selvagem! Não combina com você?

- É no que dá eu deixar você escolher minhas roupas... Tudo bem, fazer o quê? Eu visto isso... Mas daqui pra frente quem vai escolher minhas roupas sou eu.

- Que bom que está amadurecendo! Sabia que isso iria acontecer mais cedo ou mais tarde. Ei! O que é isso?

- O quê... Ah, é uma pedra.

- Eu sei que é uma pdra, mas... Comprou hoje? Onde?

- Não foi assim uma...

- Filha! Olha a hora! ... Põe essa pedra, vai ficar linda.

- Só faltava essa... Além da roupa ridícula querer que eu saia com uma pedra no pescoço...

- Vai combinar direitinho. Prove! Se não gostar, não use. ...vou me trocar. Com outras roupas essa pedra é ridícula mesmo, mas pra essa vai ser o colar perfeito... Vai parecer a Betty dos Flinstones. Até daqui a pouco, filhinha.

"Uma pedra... Aposto como os convidados vão rir da minha cara... Mas espera. A mãe tava certa. Cai muito bem com essa roupa. Vou provar... Excelente! Ficou meio... Bizarro. Pareço uma..."

- Aaahhhh!

Ela ia dizer bruxa, mas seu rosto mudou e Cristina se viu diante de uma das jovens bruxas que vira em um filme qualquer. Era ela própria...

- Algo errado, filha?

- Não! É... Vou já!

- Ficou linda! O que disse da pedra? Foi o complemento ideal. Vamos?

- Já, já...

Termina de se preparar e desce. Recebe convidados e a festa transcorre. A surpresa é o presente: sua tão sonhada motocicleta.

"Será que estou no lugar certo? Parece loucura, mas o que aconteceu comigo no quarto... Será que essa pedra é mágica? Aquele homem me entregou uma pedra mágica! Então existe mesmo esse tipo de coisa... Ele certamente sabe quem sou! Eu não sou... normal! Eu sou alguém especial, uma "escolhida"! Que história mais maluca! Parece até roteiro de filme ou gibi! Será que é verdade? Se eu recebesse ao menos um sinal..."

Imediatamente cai a rede elétrica da casa. "Era só disso que eu precisava."

Cris entra em casa, vai ao quarto e junta algum material. Uns metros de corda, umas mudas de roupas, binóculos, um saco de dormir, um estojo de primeiros socorros... Tudo em uma mochila enorme, que usava quando ia praticar escalada com o pai. Joga também na mochila - mais conveniente seria o termo comprimiu - alguns utensílios de higiene pessoal, sete pilhas... A lanterna - que usa duas - continua em sua mão. Acrescenta também sua bolsa, que continha, além de artefatos de beleza, quatrocentos e cinqüenta reais.

Após fechar, coloca a mochila nas costas, pega um cantil e desce as escadas rumo à cozinha. Enche o cantil com água mineral e sai de casa - com a lanterna desligada e já guardada na mochila.

Deslizando por entre os convidados, alcança sua moto. Já de capacete sobe e liga a chave. Sai. Sai a quase atropelar os presentes. E foge de casa em busca de sua própria vida de aventuras. Foge porque escolheu esse caminho. Uma escolha que talvez não tenha sido só sua...

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