“A pior coisa é ter que ensinar pra quem não quer aprender.”
Uma cidade pequena, se comparada às grandes capitais. Uma cidade de interior, mas em franco desenvolvimento. Com suas praças, seu comércio agitado, girando a economia das cidades vizinhas. Uma cidade grande, perto das que a circundam. Entre o caos dos grandes centros centros e o sossego dos povoados rurais. Seria uma cidade perfeita – e talvez até seja – mas está longe de ser uma cidade pacata. O toque do progresso já a atingiu, pintando as ruas com as cores dos carros quase parados em horários de pico, com criminalidade e com tudo - mesmo que em menor escala - de bom e de ruim que uma cidade grande tem a oferecer.
No meio de um pequeno estado esquecido, que já foi orgulhoso de dar ao Brasil seu primeiro presidente, e outros presidentes depois. O orgulho passou e o título pomposo daqueles tempos - “terra dos marechais” - é hoje uma lembrança, gravada no hino de um clube esportivo local. O que mudou? O que se perdeu?
Em uma das ruas que saem perto da rodoviária, um homem de boné vermelho e branco, de camisa social já gasta e bermuda jeans, prende, de cima de uma escada, uma faixa em frente ao galpão. O Honda cinza escuro pode parar de buzinar e ir em paz, seguido pelos dois carros que também esperavam a rua ser liberada.
Protestos, protestos, mas já terminou. O homem recolhe a escada com ajuda do rapaz de camiseta e esperam passar o corolla prata e uma moto antes de atravessarem a rua: para o galpão.
Um celta preto passa rápido, sem prestar atenção em mais nada. Um furgão branco vem em seguida e estaciona a quatro casas da faixa. Um homem de cabelos grisalhos e poucos, desce e vai até a calçada. Olha para os lados antes de se dirigir ao portão. Enquanto toca a campainha, um celta prateado vem devagar pela rua, pelo mesmo caminho. Diminui a velocidade, quase parando. Para em frente ao galpão.
Ninguém desce, nem o carro sai, por um momento. Finalmente as portas se abrem. Do lado do passageiro, uma mulher de calça jeans e camisa listrada, de botões. Seus cabelos pretos e lisos descem até metade das costas, e como se achassem pouco ainda lhe fazem uma franja na testa. Seu rosto arredondado espera impaciente.
Logo o motorista chega até ela. Cabelos pretos curtos e bem penteados, um queixo quadrado. De roupa social em tons claros, com um bottom verde no bolso da camisa.
- Claudia, vai ser bacana!
- Boxe!? E eu lá tenho cara de quem gosta de boxe?!
- Você viu a faixa! Você sabe que a gente está meio parado e temos que fazer alguma atividade física, não sabe? Quer fazer o quê? Academia ouvindo aquele som?
- Não, né?
- E então? A gente faz boxe e ainda ganha a viagem!
- Até parece...
- Vamos, antes que feche.
O casal entra no prédio e procura o responsável. Depois de uma conversa bonita sobre proteção pessoal, alívio de stresse e segurança, das diferenças entre esporte como atividade física e competição, os dois se matriculam.
Logo saem do galpão e voltam para o carro.
- Só você mesmo pra me fazer lutar Boxe.
- Mas você ouviu o que ele disse, ninguém precisa lutar. É só um esporte! Vai ser legal pra descontrair. Você precisa desestressar da molecada da escola.
- Isso é verdade.
- Uma pena que a viagem pra Fortaleza só um ganha, né? Queria poder levar você comigo.
- Quê?! O sorteio só é quando fecharem as turmas!
- E sabe de uma coisa? Isso está parecendo é enrolada. Se eles quiserem, é só dizer que não fecharam as turmas todas e nunca que ninguém viaja!
- Herbert?
- Oi, amor.
- Não podíamos conversar dirigindo?
- É, né? Mas daqui a pouco a gente chega na sua casa, queria aproveitar mais o tempo.
- E é, seu besta? E não vai entrar hoje não?
- Você quer que eu entre?
- Se você quiser...
Um beijo e o carro parte dali. O céu já escureceu. As aulas só começariam na semana seguinte e ainda era terça-feira. E eles não podiam imaginar que na primeira aula, segunda-feira, já teriam uma boa surpresa para um dos dois.
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