Depois de certas coisas, a vida não volta mais ao normal.
Tudo começou com um estranho incidente em uma viagem a Fortaleza. Justo na escala em Salvador, Claudia Muniz fora abordada por um estranho sujeito no banheiro feminino, que exigiu dela um favor incomum: ficar de posse de um tablet e procurar um tal de Francis para lhe entregar. A viagem prosseguiu normalmente e Claudia voltou para casa. O tablet veio junto.
Sábado, ao chegar, Claudia e o namorado, movidos por curiosidade, terminaram descobrindo a senha do tablet. Isso foi há dois dias.
Mais um dia de aula. Claudia gosta de ser professora, apesar de toda a correria.
A aula termina e os alunos juntam o material para sair.
“Sem perguntas. Eles não estão estudando. E parece que nem prestam atenção na aula.”
Ela pega suas coisas e sai da sala.
“Ou sou eu que não estou conseguindo me concentrar direito?”
Parada à porta da sala, observa as árvores no pátio. A cidade está muito quente, principalmente perto do meio-dia.
- Professora? Está tudo bem?
- Está sim, Ingride, obrigada.
- Então tá.
- Até quarta.
- Até.
São pouco mais de onze horas e Claudia caminha para a saída. Antes mesmo de chegar ao portão da escola, ouve uma voz.
- Senhorita Muniz?
Ela se vira procurando a origem da voz e encontra um homem já de certa idade, com muitos cabelos brancos. A roupa é social leve, com uma camisa listrada azul e branca.
- Pois não?
- Gostaria de conversar, se puder me conceder cinco minutos do seu tempo.
- Diga.
- Para não atrasá-la, poderíamos ir andando.
Claudia suspira.
- Vamos voltar? A gente conversa na sala de professores.
O homem balança a cabeça pensativo.
- Tenho razões para preferir que essa conversa não seja... diante de seus colegas de trabalho ou de seus alunos.
Claudia o encara surpresa, com uma certa inquietação e desconforto.
- Perdão, senhorita. Ainda não me apresentei. Sou Caio.
Agora é Claudia quem balança a cabeça pensativa.
- Caio de quê? Qual o assunto que você quer tratar?
- Sinto pelo seu desconforto. Me acompanha ao menos até próximo ao portão?
“E se houver mais comparsas dele me esperando.”
- Não. Que assunto você quer tratar?
Ele olha para os lados calmamente e fala baixo.
- Não posso falar assim, onde outros possam ouvir. Garanto-lhe que é assunto de seu interesse. E do meu também, claro. E de Francis.
Claudia se esforça para conter a surpresa daquele nome.
- Vejo que estava certo. Parte das perguntas não precisam mais ser feitas. A parte que lhe interessa tem a ver com o risco que a senhorita corre agora, neste momento.
- Risco?
- Sim, e o que eu quero é te ajudar.
- Que risco? E que assunto!?
- Você sabe do que estou falando.
- O tablet...
- Por favor...
A expressão calma de Caio muda e ele olha com desconfiança ao redor, antes de falar novamente.
- Não faça isso. Você não faz ideia do risco que corre.
“Risco... Risco...”
- Cansei dessa história, senhor... Caio. O que quer afinal?
- Você me entrega o que eu quero, nós ficamos todos bem e você se livra desse problema.
“Ele quer o tablet!?”
- Não sei se seria prudente.
- Tudo bem, como podemos fazer então?
- Não sei...
- Tenho uma sugestão: por que não almoçamos juntos e eu conversamos com mais calma, de preferência em algum lugar mais reservado?
- Não, obrigada!
- Olha, senhorita, eu garanto que não estou te enganando: há mais pessoas à sua procura e elas talvez não sejam tão corteses quanto eu. Um almoço?
- Tudo bem. - Responde Claudia, relutante – Mas não agora. Uma da tarde.
- Pode ser. Então uma hora no restaurante da Carajás.
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